segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

PROFESSORES E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCN): COMO ESTÁ ESSA RELAÇÃO?


PROFESSORES E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCN): COMO ESTÁ ESSA RELAÇÃO?
Flaviana Gasparotti Nunes
O debate em torno dos PCN
            A introdução dos PCN deve ser considerada no bojo de um conjunto maior de reformas sociais, políticas, econômicas e educacionais que foram implantadas no Brasil principalmente a partir dos anos 1990.
            As reformas educacionais e neste quadro os PCN devem ser entendidas no contexto das reformas do Estado brasileiro que “(...) visam delimitar as novas funções e práticas que o Estado, em seu conjunto, e a sociedade, em sua diversidade, deveriam assumir e aprimorar para serem elementos competitivos e eficientes no jogo de forças da concorrência capitalista.” (FERRAZ, 2002, p. 208)
            A produção de uma nova subjetividade no caso da educação, à conversão da educação em mercadoria, ao invés de direito social. Nas palavras de Leher (2004) “(...) o pré-requisito é converter, no plano do imaginário social, a educação da esfera do direito, para a esfera do mercado, por isso o uso de um léxico empresarial: excelência, eficiência, gestão por objetivos, clientes e usuários, empreendedorismo, produtividade, profissionalização por competências, etc.”
            Os PCN’s, portanto, não constituem um projeto isolado, mas fazem parte de políticas públicas educacionais iniciadas com a LDB/96 e estabelecidas de acordo com as determinações de políticas mais amplas ditadas pelo conjunto dos países centrais para os países chamados de “emergentes”, como o Brasil, sob o respaldo e a cooperação do Estado, e que afetam profundamente o trabalho pedagógico das escolas brasileiras.
            A crítica aos PCN’s diz respeito ao caráter autoritário e centralizador da proposta, na medida em que, em seu processo de elaboração houve pouco debate e participação dos professores do Ensino Fundamental, os principais agentes do processo educacional. A partir do processo de elaboração ficou implícita uma concepção de professor como mero executor de tarefas, incapaz de formular propostas de ensino.
            (...) a questão para a melhoria da qualidade da escola pública brasileira não se fará via PCN’s – o problema não é de “conteúdo”, de currículo – e nem tampouco da simples compra de milhares de computadores ou parabólicas. As soluções para a precária qualidade de nossas escolas, infelizmente, não são rápidas nem baratas. Não se trata de um problema tecnológico (...), mas sim de uma secular política de  descaso com a escola pública. (...) Kaercher (1997, p. 31)
Os professores de Geografia e os PCN
            Deve-se ressaltar que esse debate foi conduzido majoritariamente por professores/geógrafos ligados ao ensino superior, ou seja, pesquisadores das universidades brasileiras que de uma forma ou outra possuem envolvimento com o ensino de Geografia. 
            (...)no entanto, temos a impressão de que grande parte dos professores do Ensino Fundamental passou ao lado desta discussão ou não se inseriram de fato nela, havendo em alguns casos um grande distanciamento em relação às questões que envolvem os PCN. 
            As últimas inovações teórico-metodológicas pretendidas para o ensino de Geografia foram introduzidas oficialmente, em meados da década de 1990, a partir da elaboração e implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Geografia. Essas inovações se referem à necessidade de incorporação ao ensino das reflexões realizadas na academia a respeito do significado das categorias de lugar, paisagem, território e região. (Vieira, 2006, p. 183).
            No entanto, os dados obtidos por Vieira mostraram que 60% dos professores entrevistados admitiram nunca ter tido contato com o conteúdo dos PCN. Dos 40% restantes, somente 10% afirmaram ter realizado uma leitura integral do documento. Os demais, afirmaram ter lido parcialmente o seu conteúdo no momento da elaboração do plano anual de ensino, a partir da leitura de pequenos trechos ou do rol de conteúdos programáticos sugeridos.
            A pesquisa realizada por Rocha (2007) junto aos professores de Geografia da rede estadual de Dourados (MS) também aponta dados semelhantes em relação ao conhecimento dos professores quanto aos PCN. Apenas 20% dos entrevistados4 afirmaram possuir um bom conhecimento em termos de leitura e entendimento das proposições contidas nos PCN. Os demais consideram seu conhecimento como “médio ou regular”. 
            Neste sentido, é no mínimo preocupante pensarmos que grande parte dos professores do Ensino Fundamental sequer teve contato com o conteúdo do texto dos PCN visto que, independente de suas qualidades, esta é a proposta curricular oficial presente nas escolas do país.
            A partir disso, podemos inferir que os PCN têm sido vistos e utilizados como mera listagem de conteúdos/temas a serem trabalhados não havendo qualquer preocupação com a discussão conceitual inerente à proposta.
            (...) “o contato do professor com o conhecimento geográfico, tem sido, em sua maioria, através dos livros didáticos. Mesmo os professores que disseram ter lido autores acadêmicos demonstraram que essa leitura foi através de textos presentes em livros didáticos.” (VIEIRA, 2006, p. 142)
            A partir de sua pesquisa, Vieira (2006, p. 183) conclui que “(...) as inovações introduzidas oficialmente no currículo da Geografia escolar não se concretizaram na prática da maioria dos professores. (...)”
Professor e proposta curricular: em busca da construção de uma relação
            A partir das reflexões realizadas na seção anterior, pudemos constatar que, apesar de já ter se passado uma década que as inovações curriculares foram introduzidas oficialmente entre os professores do Ensino Fundamental, ainda há um grande distanciamento entre professores e PCN.
            Diante do conjunto de discussões que têm se desenvolvido nas últimas décadas sobre conteúdos e objetivos do ensino de Geografia e mesmo sobre propostas de ensino não é possível que continue vigente entre a maioria dos professores a concepção de proposta curricular como sinônimo de listagem de conteúdos. 
- A seleção dos conceitos geográficos básicos para estruturar os conteúdos do ensino;
- A valorização das diferentes dimensões dos conceitos geográficos para a construção de atitudes, ações, valores que norteiam comportamentos sócio-espaciais;
- A Geografia do aluno, ou seja, suas representações sociais como referência do conhecimento geográfico construído na sala de aula;
- O reconhecimento da relevância da dimensão afetiva no processo do conhecimento; 
- A articulação dos componentes do processo de ensino, ou seja, objetivos, conteúdos e métodos.
            A partir dos elementos destacados por Zanatta (2005) nota-se que atualmente há uma ampliação do sentido de proposta curricular que se baseia em outros pressupostos que não só a estruturação de conteúdos.
            (...) Como afirma Castellar (1999, p. 50): “(...) A tarefa docente consiste em organizar, programar, dar sequencia aos conteúdos, de forma que o aluno possa realizar uma aprendizagem significativa, encaixando novos conhecimentos em sua estrutura cognitiva prévia e evitando, portanto, uma aprendizagem baseada apenas na memorização (...)”
            (...) No que se refere às ações do professor como agente de sua formação, nós constatamos que existe pouca disponibilidade e iniciativa do professor em buscar seu aprimoramento intelectual, seja através de cursos de pós-graduação, de extensão, de atualização ou através da participação em eventos científicos da área em que atua. (...) Poucos são aqueles que têm consciência do seu papel como agente de sua própria formação.(...)
            (...)destacamos as constatações de Vieira (2006) no sentido de chamar a atenção para a importância da formação, seja ela inicial ou continuada no processo de construção da autonomia do professor. 
            Essa autonomia, como procuramos salientar, é essencial para a construção de uma relação mais efetiva e qualificada entre professores e propostas curriculares, no caso em questão, os PCN.
Considerações Finais
            Embora dispondo de poucas pesquisas e dados para fundamentar essa idéia, acreditamos que grande parte dos professores do Ensino Fundamental desconhece e não inseriram no debate sobre os PCN. 
            Em nosso entendimento, é necessário que o sentido de proposta curricular seja ampliado na concepção dos professores do ensino básico. Não é possível que continue vigente entre a maioria dos professores a concepção de proposta curricular como sinônimo de listagem de conteúdos, técnicas e estratégias de ensino.
            Além disso, é preciso que o professor tenha embasamento teórico-metodológico suficiente para compreender a proposta curricular do ponto de vista de seus elementos centrais, identificando a concepção de Geografia explícita ou implícita e seus desdobramentos conceituais, conteudísticos e didáticos.
Para isso, no entanto, é necessário que o processo de formação do
professor forneça condições que permitam a construção de sua autonomia
para decidir e optar pelos caminhos a serem seguidos. 
            Acreditamos que as propostas curriculares e, neste caso, os PCN podem ser melhor utilizados pelos professores, mas devem ser entendidas de forma mais ampla, para além dos conteúdos e, também, como referências para a construção de sua prática e não definidoras absolutas do que deve ser ensinado.   

NUNES, Flaviana G. Professores e Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): Como está essa relação? RA’E GA 24 (2012), p. 92-107. UFPR - Curitiba

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