PROFESSORES E
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCN): COMO ESTÁ ESSA RELAÇÃO?
Flaviana Gasparotti
Nunes
O debate em torno
dos PCN
A introdução dos PCN deve ser
considerada no bojo de um conjunto maior de reformas sociais, políticas,
econômicas e educacionais que foram implantadas no Brasil principalmente a
partir dos anos 1990.
As reformas educacionais e neste
quadro os PCN devem ser entendidas no contexto das reformas do Estado
brasileiro que “(...) visam delimitar as novas funções e práticas que o Estado,
em seu conjunto, e a sociedade, em sua diversidade, deveriam assumir e
aprimorar para serem elementos competitivos e eficientes no jogo de forças da
concorrência capitalista.” (FERRAZ, 2002, p. 208)
A produção de uma nova subjetividade
no caso da educação, à conversão da educação em mercadoria, ao invés de direito
social. Nas palavras de Leher (2004) “(...) o pré-requisito é converter, no
plano do imaginário social, a educação da esfera do direito, para a esfera do
mercado, por isso o uso de um léxico empresarial: excelência, eficiência,
gestão por objetivos, clientes e usuários, empreendedorismo, produtividade,
profissionalização por competências, etc.”
Os PCN’s, portanto, não constituem
um projeto isolado, mas fazem parte de políticas públicas educacionais
iniciadas com a LDB/96 e estabelecidas de acordo com as determinações de
políticas mais amplas ditadas pelo conjunto dos países centrais para os países
chamados de “emergentes”, como o Brasil, sob o respaldo e a cooperação do
Estado, e que afetam profundamente o trabalho pedagógico das escolas brasileiras.
A crítica aos PCN’s diz respeito ao
caráter autoritário e centralizador da proposta, na medida em que, em seu processo
de elaboração houve pouco debate e participação dos professores do Ensino
Fundamental, os principais agentes do processo educacional. A partir do
processo de elaboração ficou implícita uma concepção de professor como mero
executor de tarefas, incapaz de formular propostas de ensino.
(...) a questão para a melhoria da
qualidade da escola pública brasileira não se fará via PCN’s – o problema não é
de “conteúdo”, de currículo – e nem tampouco da simples compra de milhares de
computadores ou parabólicas. As soluções para a precária qualidade de nossas
escolas, infelizmente, não são rápidas nem baratas. Não se trata de um problema
tecnológico (...), mas sim de uma secular política de descaso com a escola pública. (...) Kaercher
(1997, p. 31)
Os professores de
Geografia e os PCN
Deve-se ressaltar que esse debate
foi conduzido majoritariamente por professores/geógrafos ligados ao ensino superior,
ou seja, pesquisadores das universidades brasileiras que de uma forma ou outra
possuem envolvimento com o ensino de Geografia.
(...)no entanto, temos a impressão
de que grande parte dos professores do Ensino Fundamental passou ao lado desta
discussão ou não se inseriram de fato nela, havendo em alguns casos um grande distanciamento
em relação às questões que envolvem os PCN.
As últimas inovações
teórico-metodológicas pretendidas para o ensino de Geografia foram introduzidas
oficialmente, em meados da década de 1990, a partir da elaboração e implantação
dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Geografia. Essas
inovações se referem à necessidade de incorporação ao ensino das reflexões
realizadas na academia a respeito do significado das categorias de lugar,
paisagem, território e região. (Vieira, 2006, p. 183).
No entanto, os dados obtidos por
Vieira mostraram que 60% dos professores entrevistados admitiram nunca ter tido
contato com o conteúdo dos PCN. Dos 40% restantes, somente 10% afirmaram ter
realizado uma leitura integral do documento. Os demais, afirmaram ter lido
parcialmente o seu conteúdo no momento da elaboração do plano anual de ensino,
a partir da leitura de pequenos trechos ou do rol de conteúdos programáticos
sugeridos.
A pesquisa realizada por Rocha
(2007) junto aos professores de Geografia da rede estadual de Dourados (MS)
também aponta dados semelhantes em relação ao conhecimento dos professores
quanto aos PCN. Apenas 20% dos entrevistados4 afirmaram possuir um bom
conhecimento em termos de leitura e entendimento das proposições contidas nos
PCN. Os demais consideram seu conhecimento como “médio ou regular”.
Neste sentido, é no mínimo
preocupante pensarmos que grande parte dos professores do Ensino Fundamental
sequer teve contato com o conteúdo do texto dos PCN visto que, independente de
suas qualidades, esta é a proposta curricular oficial presente nas escolas do
país.
A partir disso, podemos inferir que
os PCN têm sido vistos e utilizados como mera listagem de conteúdos/temas a
serem trabalhados não havendo qualquer preocupação com a discussão conceitual
inerente à proposta.
(...) “o contato do professor com o
conhecimento geográfico, tem sido, em sua maioria, através dos livros
didáticos. Mesmo os professores que disseram ter lido autores acadêmicos
demonstraram que essa leitura foi através de textos presentes em livros
didáticos.” (VIEIRA, 2006, p. 142)
A partir de sua pesquisa, Vieira
(2006, p. 183) conclui que “(...) as inovações introduzidas oficialmente no
currículo da Geografia escolar não se concretizaram na prática da maioria dos
professores. (...)”
Professor e
proposta curricular: em busca da construção de uma relação
A partir das reflexões realizadas na
seção anterior, pudemos constatar que, apesar de já ter se passado uma década
que as inovações curriculares foram introduzidas oficialmente entre os professores
do Ensino Fundamental, ainda há um grande distanciamento entre professores e
PCN.
Diante do conjunto de discussões que
têm se desenvolvido nas últimas décadas sobre conteúdos e objetivos do ensino
de Geografia e mesmo sobre propostas de ensino não é possível que continue vigente
entre a maioria dos professores a concepção de proposta curricular como
sinônimo de listagem de conteúdos.
-
A seleção dos conceitos geográficos básicos para estruturar os conteúdos do
ensino;
-
A valorização das diferentes dimensões dos conceitos geográficos para a
construção de atitudes, ações, valores que norteiam comportamentos
sócio-espaciais;
-
A Geografia do aluno, ou seja, suas representações sociais como referência do
conhecimento geográfico construído na sala de aula;
-
O reconhecimento da relevância da dimensão afetiva no processo do conhecimento;
-
A articulação dos componentes do processo de ensino, ou seja, objetivos, conteúdos
e métodos.
A partir dos elementos destacados por
Zanatta (2005) nota-se que atualmente há uma ampliação do sentido de proposta
curricular que se baseia em outros pressupostos que não só a estruturação de
conteúdos.
(...) Como afirma Castellar (1999,
p. 50): “(...) A tarefa docente consiste em organizar, programar, dar sequencia
aos conteúdos, de forma que o aluno possa realizar uma aprendizagem significativa,
encaixando novos conhecimentos em sua estrutura cognitiva prévia e evitando,
portanto, uma aprendizagem baseada apenas na memorização (...)”
(...) No que se refere às ações do
professor como agente de sua formação, nós constatamos que existe pouca
disponibilidade e iniciativa do professor em buscar seu aprimoramento
intelectual, seja através de cursos de pós-graduação, de extensão, de
atualização ou através da participação em eventos científicos da área em que
atua. (...) Poucos são aqueles que têm consciência do seu papel como agente de
sua própria formação.(...)
(...)destacamos as constatações de
Vieira (2006) no sentido de chamar a atenção para a importância da formação,
seja ela inicial ou continuada no processo de construção da autonomia do
professor.
Essa autonomia, como procuramos
salientar, é essencial para a construção de uma relação mais efetiva e qualificada
entre professores e propostas curriculares, no caso em questão, os PCN.
Considerações
Finais
Embora dispondo de poucas pesquisas
e dados para fundamentar essa idéia, acreditamos que grande parte dos
professores do Ensino Fundamental desconhece e não inseriram no debate sobre os
PCN.
Em nosso entendimento, é necessário
que o sentido de proposta curricular seja ampliado na concepção dos professores
do ensino básico. Não é possível que continue vigente entre a maioria dos
professores a concepção de proposta curricular como sinônimo de listagem de
conteúdos, técnicas e estratégias de ensino.
Além disso, é preciso que o professor
tenha embasamento teórico-metodológico suficiente para compreender a proposta
curricular do ponto de vista de seus elementos centrais, identificando a
concepção de Geografia explícita ou implícita e seus desdobramentos
conceituais, conteudísticos e didáticos.
Para
isso, no entanto, é necessário que o processo de formação do
professor
forneça condições que permitam a construção de sua autonomia
para
decidir e optar pelos caminhos a serem seguidos.
Acreditamos que as propostas curriculares
e, neste caso, os PCN podem ser melhor utilizados pelos professores, mas devem
ser entendidas de forma mais ampla, para além dos conteúdos e, também, como
referências para a construção de sua prática e não definidoras absolutas do que
deve ser ensinado.
NUNES,
Flaviana G. Professores e Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): Como está
essa relação? RA’E GA 24 (2012), p. 92-107. UFPR - Curitiba
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