O Espaço Interdisciplinar
I
– A noção do espaço em Geografia
Alain Reynald
“Só é geográfico aquilo que se
inscreve na paisagem e no espaço” In
Quelques réflexions..., p.48.
1.
Tempo e espaço
(...)
Para Leibniz, o tempo e o espaço existem apenas relativamente aos objetos. O
espaço é o arranjo das coisas que se sucedem. (...) “O espaço é considerado
como a condição de ocorrência de fenômenos, não como uma determinação
dependente deles, e constitui uma representação a priori que serve de
fundamento, de uma maneira necessária, aos fenômenos exteriores” (KANT, 1927,
p.66). p.06
O.
Dollfus apresenta o espaço como “um espaço localizável, diferenciado, variável
e que se descreve”; isto é, define-o pelos seus objetos de acordo com a
perspectiva kantiana. p.07
1.
2. As relações entre o tempo e o espaço
1.2.1.
A inevitável associação
(...)
Para Kant, a História é o relato dos fatos que sucedem um após outro (nacheinander) no tempo, enquanto a
Geografia é a apresentação dos fenômenos que se encontram um ao lado do outro (nebeneinander) no espaço. p.07
1.2.2.
A primazia do tempo
(...)
O tempo é um fenômeno absoluto: em um dado momento, um acontecimento datado de
dois séculos é sempre tão antigo, inacessível e por isso mesmo misterioso e
envolvente. Mas o espaço pode ser dominado no presente, pois basta se deslocar
para contemplar um lugar desejado. O tempo perdido é sempre perdido: reviver
pela memória não é viver. Ao contrário, é muito mais fácil reencontrar um lugar
familiar. Pode-se fazer a História de tudo, inclusive a da Geografia, mas nunca
se tentou fazer a Geografia da História. Espaço e tempo não são noções que se
situam no mesmo plano. A percepção inconsciente dessa diferença, já evocada por
Kant, explica em larga medida a subordinação tradicional da Geografia à
História, simples transposição da subordinação do espaço ao tempo.¹ p.08 ( 1 -A
subordinação da Geografia à História está atualmente ultrapassada em virtude da
importância atribuída à economia atual, ao planejamento do território, ao meio
ambiente e ao subdesenvolvimento)
1.2.3.
As transformações recíprocas
(...)
“a toda parte individualizada da duração corresponde uma porção singular da
extensão”; “a dignidade dos espaços resulta de uma espécie de criação ritmada,
a aptidão em fazer coexistir que subentende, por assim dizer, toda extensão,
sendo função de uma aptidão a perdurar: o espaço não se concebe
independentemente do tempo” (GRANET, 1968). p.09
2.
Os limites e os perigos da noção de espaço
2.1.
A noção de espaço não define a Geografia
(...)
A Geografia parece-me ser, em sua plenitude, o estudo parcial da sociedade ou,
o estudo da sociedade pelo espaço. ² p.11 ( 2 -Artigo publicado no Mélanges d’ Historie Sociale, tomo VI,
1944, PP. 1-12)
2.2.
O estudo das variações espaciais de um fenômeno não define a Geografia
(subtítulo
autoexplicativo)
É
preciso notar uma certa convergência que se realiza atualmente entre os
economistas e os geógrafos. Até uma época recente, os geógrafos, em particular
franceses, empenhavam-se em explicar as localizações antigas, salientando
largamente o papel do meio natural. Atualmente, os geógrafos tentam definir os
critérios de uma localização racional e voluntária das atividades humanas,
tentativa na qual as questões de ordem econômica estão inevitavelmente em moda.
p.14-15
2.3.
O estudo dos aspectos diferenciais da paisagem define a Geografia?
(...)
A Geografia estudaria o espaço terrestre em seus aspectos visíveis, assim como
os fenômenos que concorrem para modelar , organizar e modificar esse espaço.
Nesta perspectiva, a escolha dos elementos se faz em função da orientação da própria
Geografia. Não é por suas variações espaciais que um fenômeno é da alçada da
Geografia, mas em virtude de sua influencia sobre a paisagem. Essa posição tem
o mérito de obrigar o geógrafo a realizar uma escolha e colocar sempre antes as
ideias de ligação, combinação, relação, interação, correlação e, por via de
consequência, de estrutura, de ideias que então se tornam o fundamento da
Geografia. Mas nem todas as dificuldades estão superadas por enquanto: p.16
Þ
Resta
ainda definir o objeto da Geografia. Se é o meio físico, o homem não é mais que
um utilizador, um mero perturbador dos equilíbrios naturais. Mas se é o meio
humano, são elementos do meio físico que devem ser inseridos em seu devido lugar
no conjunto das relações. p.16
Þ
Em
seguida, deve-se determinar aquilo que tem influencia, assim como a importância
relativa de cada influencia, evitando cair numa causalidade simplista com base
no determinismo de um único elemento. Por muito tempo, os geógrafos tiveram a
tendência a recorrer apenas aos elementos visíveis, isto é, essencialmente ao
meio natural. A noção de invisível tornou-se largamente difundida desde alguns
anos. p. 16-17
2.4.
Os aspectos míticos do espaço
Tempo
e espaço têm um poder de fascinação ao qual quase sempre é difícil escapar: o
tempo enobrece tudo e confere aos eventos passados uma grandeza, atrativo, um
embelezamento que eles não tem no presente. Também o espaço favorece o
desenvolvimento dos sonhos e dos mitos. Constata-se que já há alguns anos as
mentalidades face ao espaço são uma sequencia de conhecimentos em mutação. p.20
Os
geógrafos estão por demais obcecados pela noção de espaço, na medida em que a
consideram como o fundamento de sua disciplina, esquecendo-se que “pensa-se
ganhar porque se ganha em extensão e se perde em profundidade” (MONTHERLANT).
Assim, a agricultura, por longo tempo, monopolizou a atenção exclusiva dos
pesquisadores e continua a suscitar um número de pesquisas superior a seu lugar
na economia dos países industriais. (...) Poder-se ia dizer que, quanto mais um
fenômeno ocupa espaço, mais se tornará observação benevolente dos geógrafos.
Embora as cidades tenham atraído para si a população, as zonas rurais conservam
o espaço. p.20-21
(...)
Na Geografia Física, a importância de um fenômeno e o espaço que ocupa podem
ser diretamente proporcionais. Mas, na Geografia Humana, a importância de um
fenômeno e o espaço que ele ocupa podem ser inversamente proporcionais: uma
cidade de um milhão de habitantes ocupa menos espaço que uma rede urbana que
agrupa um milhão de habitantes. (...) Em matéria de Geografia industrial ou
urbana, o espaço dilui os fenômenos e diminui sua intensidade. p.22
II – As categorias como fundamento do
pensamento geográfico
Armando
Corrêa da Silva
1.
Introdução
1.1.
São as categorias entes lógicos ou ontológicos?
Originalmente,
as categorias são formas, modos do ser. Conforme a postura filosófica, ou são
entes ideais produzidos pela razão ou determinações da existência. Como entes ideais
produzidos pela razão, podem ser tomados como entidades lógicas. Como
determinações da existência, são modalidades ontológicas do ser. p.25
1.2.
São as categorias universais abstratos ou concretos?
A
medida que o projeto avança, as categorias vão se pondo ainda como conceitos
abstratos, mas já como mediações do concreto. O concreto vai se por no momento
em que se realizarem sínteses de singulares e de particulares no processo de
conhecimento. O pensamento vai se elevando a generalizações da existência
quando os conceitos começam a tornar-se concretos. Essa é uma pré-condição da
concreticidade das categorias. As categorias tornam-se entidades concretas no
momento em que se chega a síntese fundamental do fenômeno em sua essência, já
destituído de suas formas secundárias de ser. p.26
Assim,
as categorias são, inicialmente, universais abstratos, que se transformam em
universais concretos pela práxis. p.26
1.3.
O que são categorias filosóficas?
Costuma-se
reservar o nome de categorias aos conceitos fundamentais “que refletem os
aspectos mais gerais e essenciais da realidade, assim como os nexos e relações
entre os objetos” (ROSENTAL e STRAKS, 1962). p.27
1.4.
O que são categorias científicas?
A
categoria, como um concreto-ontológico, sempre deve dar conta do real, seja
como um universal, um particular ou um singular. No caso da ciência, terá um
significado relativo à divisão intelectual do trabalho, que é uma determinação
histórica. Por isso sua dimensão é menor em relação a categorias filosóficas e
não a uma determinação do pensamento lógico. p.28
2.
As categorias da Geografia
O
conjunto de categorias de uma ciência esta relacionado ao objeto de
conhecimento desta ciência. As categorias fundamentais do conhecimento
geográfico são, entre outras, espaço, lugar, área, região, território, habitat,
paisagem e população, que definem o objeto da Geografia em seu relacionamento.
p.29
O
primeiro fato geográfico, além de toda a imaginação é o da produção do espaço
do beber, vestir, alimentar-se e habitar. Pode-se dizer que é o habitat a
categoria que abrange o conjunto dessas necessidades reais; p.29
O
segundo é a reprodução do habitat, o que significa na reprodução de todas as
necessidades supracitadas, como a de representação dessas coisas na mente e no
âmbito da comunicação; p.29
Todos
esses são fatos sociais, porque é a população que lhes dá sentido. p.29
“A
população é a base e o sujeito de todo ato da produção social”(MARX, 1946).
Portanto, da produção do espaço, que é desde logo, também um ato social. p.29
Mas
a população vive em um território de que tem domínio e posse. O território é
assim, a terceira categoria geográfica. A vida em um território dá origem a
paisagens geográficas diferenciadas. A paisagem é então, a quarta categoria
geográfica. “A paisagem urbana ou rural, é a forma espacial da divisão do
trabalho. O espaço sendo um produto das relações que se estabelece entre ele e
a sociedade, tem, portanto, na paisagem o aspecto formal advindo do produto da
sociedade num determinado momento da organização. A paisagem atual aparece como
mediação entre a paisagem passada e futura, revelando as características
históricas de sua formação” (CARLOS, 1979). p.29
Só
a partir da produção do espaço como paisagem é que se pode definir lugar como
região ou área. O lugar, como habitat, é uma produção humana. A fixação no
lugar define a região como o lugar em que se nasce e ao qual se pertence.
Põe-se então, a necessidade da medida que define área. São categorias
posteriores ao espaço. p.29
2.1.
Divisão territorial do trabalho
A
categoria lugar tem uma existência remota. Denota o espaço como um complexo de
relações de localização determinada. p.30
A
divisão territorial do trabalho estabelece, então, a possibilidade de relações
entre territórios diversos. Essas relações são de cooperação ou de conflito, de
conformidade com aquelas entre os Estados, incluídas aqui, as unidades não
dotadas de Estado. p.30
A
divisão territorial do trabalho é, por isso, um aspecto da divisão social do
trabalho. É a sua expressão espacial mais duradoura. p.30
A
categoria região é posterior a categoria território, porque a região é o
território já ocupado e onde se desenvolveu uma organização do espaço que o
torna determinação de um modo de vida. p.30
2.2.
A produção dos modos de produção
O que é um modo de produção?
“O modo pelo qual os homens
produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da natureza dos meios de
vida já encontrados e que têm de reproduzir. Não se deve considerar tal modo de
produção de um único ponto de vista, a saber: a reprodução da existência física
dos indivíduos. Trata-se muito mais de uma determinada forma de atividade dos
indivíduos, determinada forma de manifestar sua vida, de seu determinado modo
de vida. Conforme os indivíduos manifestam sua vida, assim eles são. O que
coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, quanto com o
modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições
materiais de sua produção.” (MARX e ENGELS, 1977) p.31
2.3.
A apropriação diversa do espaço
A forma é a estrutura revelada (SANTOS, 1979). p.33
A apropriação diversa do
espaço se dá também como ideologia. É quando os espaços da representação são
apenas construções da ideia, que não existem como realidade material.
2.4.
O desenvolvimento desigual
(...) As forças produtivas não
tem um desenvolvimento uniforme no espaço. Esse desenvolvimento é desigual, mas
isso varia com o modo de produção. p.33
No
capitalismo, o desenvolvimento é necessariamente desigual. No centro, a
desigualdade do desenvolvimento está relacionada inicialmente ao livre
desenvolvimento da produção mercantil. Num momento seguinte ela se dá através
do surgimento dos monopólios. A forma de desigualdade, no primeiro momento, é
dada pelas diferentes localizações e pela diversidade natural do mercado. No
segundo momento, o da grande empresa, a desigualdade vai ter sua gênese na
exportação de capitais, ou seja, no alargamento dos mercados. Tal é a gênese da
periferia, que vai dar origem às desigualdades espaciais do presente (AMIM, 1976).
p.33-34
O
desenvolvimento desigual é, no entanto, mais antigo do que o capitalismo. Um
caso típico é o diferente desenvolvimento da cidade e do campo. A primeira mais
desenvolvida; o segundo, menos. A separação entre a cidade e o campo, sua
desigualdade, é um fenômeno que remota a épocas passadas. p.34
2.5.
As categorias da formação social espacial
Concebido
como território, o espaço da formação é uma determinação tão forte quanto
outras. “A casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que
unem esses pontos, são igualmente elementos passivos que condicionam a
atividade dos homens e comandam a prática social.” (SANTOS, 1977) p.35
3.
Conclusão
3.1.
A recuperação da totalidade
A
recuperação da totalidade implica, então, uma abordagem em que nem a natureza
nem a sociedade sejam de todo uma escolha excludente, mas que a relação
sociedade natureza seja o ponto de partida, como população espaço. Ultrapassar
essa dimensão é fazer ciência da terra (geociências) ou – o que dá no mesmo –
fazer sociologia ou economia. p.36
3.2.
Totalidade e futuro
A
espacialidade do presente extrapola das fronteiras do planeta em que vivemos e
a Geografia deve dar conta dessa dimensão, que deve abrir perspectivas a vida
humana. p.37
III – Debate: O espaço e os não-geógrafos
Yves
Guermond e
Jean-luc
Piveteau (coord.s)
Os geógrafos evidentemente,
não detém o monopólio dos estudos sobre o espaço. Este, como categoria de
pensamento, assumiu recentemente uma importância cada vez maior em numerosas
disciplinas. Ao Comitê da revista L’Espace
Géographique pareceu útil reunir pontos de vista, compor um debate com um
certo numero de especialistas não-geógrafos, ao mesmo tempo sobre suas
abordagens e sua percepção do lugar dos geógrafos por meio de um conceito que
eles muitas vezes manejam, ou acreditando que os geógrafos o definiram
perfeitamente, ou então, definindo-o à sua maneira, e sobre o que vem a ser o
conceito de “espaço geográfico”. p.39
1. O
que é espaço geográfico?
A.
Bonnafous (economista):
O instrumento privilegiado dos geógrafos é a representação cartográfica. p.41
P. Aydalot (economista): Se
evidentemente o espaço constitui um conceito consensual cômodo, talvez não seja
sensato querer começar uma discussão pluridisciplinar por confrontações e
definições. Não pode haver uma única definição do espaço, mesmo no seio de uma
só disciplina. Alem da unidisciplinaridade absoluta não ter entre nós muito
sentido, os conceitos só se definem em função de uma problemática e não de um
setor de uma disciplina. p.41
(...)
a definição de espaço não é um objeto direto de análise, mas um subproduto de
uma analise conduzida em função de outra problemática. p.42
(...)
Trata-se assim, de um espaço definido como quadro de inter-relações múltiplas,
como criasse, pelas proximidades e hábitos, um coquetel próprio; o espaço é,
portanto, criador de uma especificidade social composta. Esta definição, se for
mais adequada, sem deixar de ser apaixonante, colocará imensos problemas
metodológicos. p.42
2.
O espaço geográfico como suporte de funções
J.
Valarché (economista):
parece-me que os pontos de vista do geógrafo e do economista se distingue pelo
fato de o geografo considerar o espaço antes de tudo como um sítio e o
economista como um suporte de funções: função de habitat, função de nutrição. A
estas duas funções necessárias acrescentam-se outras duas, das quais estou
menos certo: função de descanso e função de troca e circulação. p.44
A.
Moles (psicólogo): (...)
Para nós, o espaço geográfico é antes de mais nada o espaço grande. De fato, existem
três subcategorias do espaço objetivo: aquele que está na escala do indivíduo
(o espaço do gesto, do mobiliário, da decoração, etc.); o espaço do arquiteto,
acentuadamente tridimensional; o espaço geográfico, por vezes um pouco plano
por causa dos mapas. p.44
J.
Rémy (sociólogo): (...)
Esse caráter físico do espaço não é necessariamente a descrição completa das
características de uma paisagem, mas comporta a analise mais abstrata do fluxos
e das distancias físicas. p.45
A contribuição do geógrafo
é especifica quando se trata de distinguir distribuições e composições
espaciais que não constituem uma unidade perceptível a olho nu. p.45
Nessa perspectiva, como
sociólogo, pode-se interrogar sobre o grau de autonomia que uma estrutura
social pode ter em relação a uma estrutura espacial determinada. p.46
J.
Pasquier (economista): O
espaço geográfico é o conjunto dos elementos que influenciam a atividade
humana, na medida em que esta se localiza num dado ponto do planeta: meio
natura, distancia ou proximidade, desigualdades e qualidades humanas acumuladas
pela História. Os elementos do espaço, aos quais sou mais sensível como
especialista de administração, são os que criam obstáculos ou incentivos à
unidade decisória da empresa (caso firma com múltiplos estabelecimentos ou da
multinacional) ou à unidade dos mercados. Exemplos: as distancias em horas
(pessoas) ou em custos de transportes (para pessoas ou mercadorias); os
obstáculos à comunicação (além das distancias) – línguas, sistemas alfandegário
e monetários, mentalidades, medidas nacionalistas ou racistas, sistemas
jurídicos e contábeis diferentes -; as diferenças nos recursos e nas técnicas,
assim como nas culturas, nos diversos pontos do globo. p.46
G.
Gaudard (economista):
(...)A distancia interfere, por exemplo, nas condições de concorrência ...
assim, o que é acessível nas proximidades não tem o mesmo valor que o que está longe. p.47
3.
Das interações no espaço à percepção dos espaços
M
.Godron (ecólogo): (...)
parece-me difícil estabelecer uma diferença entre o espaço geográfico e o
espaço ecológico. Uma definição deste ultimo poderia ser a seguinte: é o lugar
onde se defrontam as espécies e as populações humanas, animais e vegetais, o
que resulta numa organização metastável. p.48
A.
Bonnafous (economista):
Trata-se para nós de precisar uma concepção de espaço que nos permita formular,
em termos comuns, os problemas essenciais que nos competem sobre temas tão
diversos quanto o papel dos transpores no desenvolvimento regional ou o
entendimento dos comportamentos em função dos deslocamentos urbanos. Isso
resultou num espaço interpretado como a imbricação de três sistemas: um sistema
de localização conhecido, ao mesmo tempo, como a implantação sobre o solo de um
espaço, materializado, natural ou, mais frequentemente, produzido, e pela força
na qual esse espaço é afetado por um certo uso; um sistema de deslocamento de
mercadorias e pessoas, conhecido ao mesmo tempo como o conjunto do fluxo e o
sistema de transportes que o possibilita; um sistema de práticas e relações
sociais que não se limita às atividades produtivas, mas abarca igualmente o
desenvolver das horas de folga dos indivíduos. Essa definição mostra-se
problemática a partir do momento em que se tenta compreender como esses três
sistemas se articulam. p.49
J.-F.Bergier
(historiador): (...) o
espaço é um quadro natural das atividades humanas, do desenvolvimento das
sociedades. p.51
Isto nos conduz ao segundo
aspecto: o espaço, não mais como o historiador o circunscreve, mas como o
percebem os homens do passado de que esse historiador se ocupa. .51
(...) O estudo da Geografia
constitui um complemento indispensável à formação do historiador e vice-versa:
uma paisagem se explica por aquilo que nela se viveu ao longo do tempo, uma
vivencia que a moldou; inversamente, essa vivencia só é inteligível no espaço
em questão, que por isso precisa ser conhecido... p.52
P.
e S. Clément (arquitetos
etnólogos): (...) Ele se caracteriza por
três elementos: sua materialidade física; sua extensão, que permite limitar ou,
pelo contrário, explorar a noção de escala e suas variações; e, enfim, pelas
coações que impõe aos estabelecimentos humanos. p.53
A. Brocard (arquiteto):
Para evocar o espaço dos arquitetos, cumpre lembrar as definições que eles
próprios lhe deram: “a arquitetura é o jogo sábio, correto e magnifico dos
volumes reunidos sob a luz” (LE CORBUSIER); “volumes, superfícies, espaços, luz
–eis a verdadeira gama do arquiteto” (LURÇAT); “(a arquitetura) é a arte de
organizar o espaço. É pela construção que se exprime. É a arte de implementar
os serviços mais complicados nos volumes mais simples” (PERRET); “a pintura
existe em duas dimensões, mesmo quando sugere três ou quatro; a escultura vive
segundo três dimensões, mas o homem permanece exterior a ela. A arquitetura, ao
contrário, é como uma grande escultura em cujo interior o homem penetra,
caminha e vive” (ZEVI). Passemos rapidamente sobre a oposição interior/
exterior, sugerida por esta ultima citação. “Fora é sempre um outro dentro”,
dirá Le Corbusier. A gente esta em uma rua, e não sobre uma rua. Um espaço
fechado, como um pátio, é a um só tempo interior e exterior. p.54
4.
Não há escala própria de uma disciplina
J.-F.
Bergier (historiador):
(...) O espaço não se define mais em termos de limites geográficos, mas pelo
horizonte das atividades estudadas. p.57
5.
O conceito de espaço se modifica
A. Macheret (jurista): No plano nacional
e, até certo ponto, no plano internacional, o espaço geográfico é o meio vital.
A proteção deste contra todas as agressões de que é objeto determinou um numero
muito grande de intervenções legislativas e administrativas, que se contam
entre os principais temas de reflexão do jurista. A norma jurídica é
instrumento de síntese e coordenação das atividades desenroladas sobre um dado
espaço. p.59
P. Aydalot (economista): ... dada a primazia das grandes empresas
nas decisões que vão condicionar o destino dos espaços, parece-me que é o
trabalho oferecido por estes que inicialmente os definirá: porque as empresas
veem primeiro, num espaço qualquer, uma força de trabalho localizada, definida
ao mesmo tempo por suas aptidões técnicas (isto é, pelas tecnologias que se lhe
adaptam) e por seu custo de reprodução.
p.61
IV – O espaço social numa perspectiva
interdisciplinar
Ane
Buttimer
1.
O conceito de espaço social
O conceito de espaço social foi
articulado e aplicado pela primeira vez na década de 1890, por Émile Durkhein.
(...) Sua definição do substrato social era a do meio ambiente social, ou
estrutura grupal, independente da composição física. Sorre considerava a
definição do ambiente elaborada por Durkhein demasiado estreita e citava vários
exemplos e que as condições físicas influenciavam a diferenciação social.
Acreditava que o substrato social devia incorporar tanto o ambiente físico como
o social, e usava, para designar esse duplo substrato, o termo “espaço social”
de Durkhein, qualificando o significado original para incluir o ambiente
físico. p.68
Na
análise do espaço social, a contribuição básica do geógrafo consistiria
sobretudo em mapear a distribuição de diversos grupos sociais 9ª “morfologia
social” de Durkhein). No entanto, as monografias regionais da Escola Vidaliana
também contribuíram para a fisiologia social, mostrando, por exemplo, o paple
criativo dos grupos humanos na transformação de seu ambiente (substrato). p.68
3. Espaço social
Para Chombart de Lauwe, o espaço
social urbano conota uma hierarquia de espaços, dentro dos quais os grupos
vivem, movem-se e interagem. Primeiro vem o “espaço familiar”, ou a rede de
relacionamentos, característico do nível domestico da interação social; depois
o “espaço da vizinhança”, ou a rede que abrange o movimento diário e local; o
“espaço econômico” que abarca alguns centros de emprego; e, enfim, o “setor
urbano”, ou espaço social “urbano regional”. As dimensões cada vez maiores e
abrangentes desses horizontes espaciais refletem as órbitas diárias, semanais e
ocasionais da atividade social dos grupos e constitui a estrutura espacial
norma dentro da qual os grupos se sentem à vontade. p.71
4.
O meio social
Chombart
de Lauwe identificou três níveis distintos: milieu
geographique, ou estrutura espaço-tempo; milieu techique, ou nível de
equipamento tecnológico; e milieu
culturel, ou a atmosfera tradicional percebida pelos habitantes ou
atribuída por outros. Todos os três níveis, em combinação vital, constituem o
meio social efetivo, no contexto do qual o comportamento social se inseriria. p.73-74
(...)
Na prática, porem, seu procedimento metodológico poderia ser visto simplesmente
como uma analise de fatores, cuidadosamente projetada, de cinco grupos de
fenômenos principais: (1) padrões de população dentro de uma estrutura de
tempo-espaço; (2) padrões de atividade econômica; (3) agrupamentos,
relacionamentos, comportamento e atitudes sociais; (4) comunicações e vida
cultural e espiritual; (5) nível educacional. p.74
6.
Chombart de Lauwe e as preferencias espaciais
(...)
Chombart de Lauwe (...) abordou o estudo do espaço social em três níveis: no
comportamental (onde e como as pessoas vivem e se movem), no do conhecimento
(onde as pessoas sabem que dispõem de oportunidades alternativas), e no das
aspirações (aonde as pessoas gostariam de ir se tivessem a oportunidade para
tal). O tom geral de suas pesquisas assumiu, assim, uma orientação comportamental.
p.76-77
7.
Aplicações Práticas
(...)
Um biótopo, em psicologia social, define-se como o “habitat ou local para o
qual um organismo se vê atraído, mediante uma combinação de aprendizagem,
impressionamento e instinto”. p.79
V Abordagens psicopatológicas do espaço
Augustin
Berque
Muitos
dos textos psicológicos, investigadores ou práticos nos abrem perspectivas mal
exploradas na Geografia. p.82
1.
O espaço das posições: é aquele que “situa os objetos em
relação ao próprio corpo e uns em relação aos outros”; os percursos estão aí
compreendidos. p.82
2.
O espaço das figuras: é o das configurações, com “tamanho,
continuidade/descontinuidade, enquadramento, regularidade, simetrias, etc.”.
Esse espaço tem sua especificidade que resiste ao pensamento racional (efeitos
de “boa forma”, metamorfoses paradoxais que por vezes são bruscamente
descontínuas etc.); é o espaço dos símbolos, porque “toda figura tem
significado”. Deve-se, pois, prestar atenção à gramática (espontânea) dos
objetos e elaborar uma “lógica do sentido”. p.82-83
3.
O
espaço calculável é “aquele que se presta ás verificações sistemáticas, ás
medidas, às interferências nocionais. (...) A arte de raciocinar com justeza
sobre figuras falsas”. p.83
VI O espaço como objeto de trabalho
Sylvio
Barros Sawaya
4.
O espaço humanizado
Hoje
o espaço é sempre construído e, mesmo em escala mundial, não podemos falar de
um espaço natural diverso de um construído. p.93
Sendo
o homem também natureza, há uma inserção sua no espaço nesse nível através de
seu corpo, de sua postura, do olhar de onde se encontra e tudo mais. A inserção
enquanto sociedade e enquanto natureza do homem no espaço leva à relação
sujeito-objeto, na medida em que, enquanto o sujeito, o homem tenta
decifrar os objetos que o envolvem, ao
mesmo tempo que, enquanto objeto, faz parte do que deve ser decifrado. Assim, o
espaço e o espaço construído passam a ser entendidos como algo inerente à
dimensão humana, aos homens como tal. Não é possível se falar do espaço como um
grande objeto do qual se está fora. Sempre se está misturado a ele, se está
imerso nele, mesmo quando se procura superá-lo. p.94
5.
A relação entre manifestação e construção
Entendendo
manifestação como sinônimo de significação, teremos sempre a manifestação
aderida à construção, muitas vezes numa relação de negação mútua, mas sempre
sendo exigida a consideração de ambas para a compreensão do espaço. p.95
A
associação entre construção e manifestação faz com que a construção seja
constantemente reconstruída pela manifestação que, por sua vez, acaba sendo
sempre alterada pela inserção de novas construções (em áreas vazias ou se
alterando ou se substituindo construções preexistentes) p.95
6.
A atividade de arquitetar
O
arquitetar, no sentido de as coisas se arranjarem e rearranjarem constantemente
pertence a todos e a todo mundo, ultrapassando a dimensão do trabalho apenas do
profissional de projeto, como se este fosse reservado para os momentos em que
os encargos são mais expressivos e que se dão as grandes intervenções, as
exceções ou quando se tomam decisões que envolvem investimentos de vulto,
permanecendo o processo constante e rearranjo do construído e de suas
manifestações como indicadores do espaço em movimento e essa geração constante
do espaço como sendo um arquitetar do patrimônio comum. p.96
7.
O espaço como objeto
(...)
O espaço é um membro participante da vida dos indivíduos que o habitam e da
coletividade que o mantém. p.97
Colocada
a questão nesses termos, começo a me perguntar: “como chego diretamente ao
espaço, se ele foge de mim constantemente, se ele não se apresenta para mim
como um organismo sobre o qual posso exercer o meu domínio? Se fosse como uma
maquina, seria possível guia-lo, mas se reinventa todo dia e também sou
reinventado com ele”. p.97
8.
O horizonte delimita o espaço como um todo
(...)
Horizonte é referencia que surge da experiência de vida que se tem, da prática
da via que desenvolve no espaço. p.98
A
ideia de horizonte em que favorece o trabalho no espaço? Ela me possibilita
definir uma parcela fundamental do espaço que, tendo esse horizonte como
referencia, permite-me trabalhar este espaço assim delimitado como sendo um
todo, superando os limites do lote e do solo parcelado. Naquele horizonte o
espaço é uno e não pode ser segmentado. A segmentação do espaço implica a
impossibilidade de considerar sua dinâmica própria, no sentido do interno para
o externo ao horizonte e no universo. p.99
VII A terra e o espaço: enigmas para os
economistas
Jean-Louis
Guigou
1.
Introdução
Quando
se aborda pela primeira vez as questões fundiárias e os problemas ligados à
utilização do espaço, pode-se ter a impressão de que as análises de renda
fundiária, da especulação, dos mercados prediais, da concorrência para a
ocupação do solo, da localização ótima, das atividades da concorrência
inter-regional etc. podem se fazer exclusivamente em termos econômicos, com a
ajuda dos conceitos clássicos de oferta, procura, custo, função de produção,
transferência, economias externas, concorrência etc. p.105
(...)
a analise econômica do solo e do espaço foi empreendida sob variados ângulos,
já que nenhuma abordagem permite, por si só, apreender a totalidade dos
fenômenos observados: analise da distribuição das rendas (análise da renda
predial); análise do consumo do espaço; analise das representações do espaço
(espaço abstrato); análise das práticas espaciais dos indivíduos. A
multiplicidade das abordagens ostra a dificuldade mas também a riqueza do
objeto a analisar. p.106
A
análise em termos de distribuição das rendas foi a primeira a ser considerada.
Ao lado do fator de produção “trabalho”, que recebe como remuneração um salário
do fator “capital”, que percebe um lucro, os fisiocratas, depois os clássicos
(Ricardo e Malthus) e Karl Marx consagraram uma parte importante de suas
reflexões à renda da terra, isto é, à renda fundiária. A ênfase foi colocada
essencialmente no papel econômico da terra, que, enquanto fator de produção
(análise neoclássica) ou enquanto recurso natural ao qual se ligam vários
direitos (analise marxista), autoriza seu proprietário ou a a receber uma renda (analise
neoclássica) ou enquanto recurso natural ao qual se ligam vários direitos
(analise marxista). Os autores que privilegiaram essa abordagem admitem
implicitamente que a destinação da terra, e portanto a estruturação do espaço,
resultam da procura, pelos proprietários, de uma renda máxima. p.106
Mais
recentemente, os neomarxistas, notadamente H. Lefebvre, propuseram apreender o
espaço mediante a análise do conceito de produção do espaço. Cada modo de
produção – e não cada sociedade – cria um espaço qe lhe é característico. Essa
produção não é neutra, mas reprodutiva das relações de produção; a estruturação
do espaço perpetuaria as relações sociais de produção. . p.108
(...)
um debate sobre os espaços nas ciências humanas e, mais recentemente, um
projeto de pesquisa de J. C. Perrin demonstraram que os economistas, os
geógrafos, psicólogos, sociólogos, etc. “que se abrem para a mesma realidade e
segundo um mesmo objeto, têm representações dos fenômenos do espaço que não
concordam entre si”. É evidente que, por necessidade, a estruturação teórica do
espaço varia conforme os diferentes instrumentos de cada disciplina. . p.109
A
última abordagem, que é a mais recente, gira em torno das praticas espaciais
dos indivíduos. (...) O estudo dos processos pelos quais os indivíduos se
estabelecem, se apropriam da terra, frequentam o espaço, se deslocam para
cumprir as funções sócio-econômicas cotidianas, lutam para preservar seu
ambiente, etc. revela ao mesmo tempo o papel desempenhado pelos elementos que
compõem o espaço e os “comportamentos”, as “necessidades”, os “desejos”, os
“valores” que os indivíduos lhes atribuem. (...) Os limites dessa abordagem
decorrem de que, conforme os métodos de investigação, é difícil dissociar as
práticas espaciais coagidas (usuários passivos de uma estrutura) das praticas
vividas mais livremente. p.109
Mas
enquanto as teorias econômicas tem dificuldade para integrar a terra e o
espaço, algumas práticas espaciais nos parecem ricas em ensinamentos. A
realidade que se esconde por trás disso já foi recuperada e interpretada sob as
mais diversas denominações: as lutas urbanas, a crise do urbanismo, o
sentimento de pertencer ao espaço, o apego a terra, a preservação do meio
ambiente, o regionalismo etc. A análise crítica de algumas dessas
interpretações permitirá precisar nosso ponto de vista: o espaço e a terra não
são neutros, constantemente remodelados ou concedidos segundo o jogo das forças
econômicas ou simples reflexos das relações sociais que produzem. p.110
2.
Um primeiro esforço: a integração da terra e do espaço em teorias preexistentes
2.1.
Análise neoclássica da terra e do espaço
Consideremos,
por exemplo, a contribuição de Walras, que, em 1880, apresenta um modelo de
equilíbrio com dois setores, o setor fundiário, onde se negocia a terra, e o
resto da economia, constituído pelo conjunto dos demais bens. Walras assimila a
terra a um bem homogêneo, perfeitamente divisível, não localizado (não se trata
de distancia nem de posição). Esse bem “terra” é considerado não reprodutível.
p.111
2.2.
A análise marxista da terra e do espaço
Na
análise marxista, as questões fundiárias e espaciais – que não são fundamentais
– são consideradas como a expressão das contradições do sistema capitalista.
Tais contradições se manifestaram através do pagamento da renda ao proprietário
fundiário e da produção do espaço que gera desequilíbrios centro-periferia,
tanto no meio urbano (segregação) como a nível nacional (disparidades
regionais) e internacional (divisão internacional do trabalho). p.117
A
terra se define como um recurso natural – não se trata de um produto. Não pode,
portanto, ter um valor e preço de produção. Se, apesar disso, a terra tem um
preço de troca, é por permitir ao seu proprietário obter um proveito – a renda
– retirado da mais-valia social. O preço da terra é obtido pela capitalização
da renda. Por conseguinte, a renda, que explica o preço e confere à terra o seu
valor, nada mais é que uma parte da mais-valia social que os proprietários podem
confiscar aos capitalistas (fazendeiros) que, por sua vez, a “extorquiram” dos
operários. p.117
Os
autores neomarxistas contemporâneos reconsideraram o problema da renda no
interior da produção do quadro construído (espaço urbano) e, para evitar o
economismo de Marx, centraram sua análise nas relações sociais. A renda, anual
na produção agrícola, torna-se um tributo fundiário urbano, pago uma única vez
ao proprietário no momento da construção. Esse tributo fundiário é a fração do
sobrelucro da qual, por razoes diversas, o proprietário está em condições de se
apropriar (LIPIETZ). Assim, ele é retirado, por assim dizer, “da cabeça do
cliente”, isto é, conforme seus usos potenciais autorizados pela divisão
técnica e social do espaço. Enquanto os neoclássicos concluíam que o preço da
terra gerava certas formas de utilização, na analise neomarxista aparece uma
elação inversa: é a utilização do espaço, determinada pela divisão econômica e
social, que induz o preço da terra. Alguns bairros seriam mais caros que outros,
não por razoes de proximidade do centro, de manejamento, etc., mas porque
classes abastadas – que tem para isso meios financeiros – são suscetíveis a
habitá-los. Como se pode observar, esta solução leva a uma transferência da
analise, mas não à renovação da explicação: já não se tenta explicar os preços
fundiários, mas a utilização da terra. p.120
3.
Uma manifestação rica em ensinamentos: as práticas espaciais
Pensamos que uma das vias para melhorar o
conhecimento das relações entre os homens, a terra e o espaço consiste em
estudar as práticas sociais relativas à
terra e ao espaço. p.123
As
teorias do que se convencionou chamar “as lutas urbanas, a ligação dos
camponeses à terra, o sentimento de pertencer a um “país”, o regionalismo, a
luta pelo meio ambiente, o surgimento nas cidades norte-americanas de “nichos
ecológicos”, buscam explicar, ao que parece, a mesma realidade. Qual explicação
e qual realidade? A das práticas espaciais dos habitantes para preservar seu
meio ambiente, associando à crise da urbanização e á do manejamento do
território a vontade dos habitantes de controlar o seu espaço social contra a
empresa do “econômico” e do “Estado”. p.123
3.1.
As lutas urbanas
(...)
A cidade, segundo Castells, deveria ser analisada como a articulação ao espaço
das estruturas definidas pelo modo de produção dominante: o capitalismo. A peça
essencial do capitalismo é constituída pela divisão do trabalho, isto é, pela
separação dos trabalhadores e dos meios de produção. Esta ultima assume duas
formas: a divisão técnica do trabalho (DTT) e a divisão social do trabalho (DST) que, na sua projeção
espacial, define a divisão econômica do espaço (DEE) e a divisão social do
espaço (DSE). A DEE abrange a separação espacial entre o habitat, o comércio e
a indústria. A DSE visualiza a DST: de um lado, as moradias de luxo, de
standing, ocupam uma posição central ou estratégica; beneficiam-se de
equipamentos coletivos numerosos e de boa qualidade; de outro, as habitações
populares são repelidas para longe dos centros urbanos, para a periferia. Os
mecanismos próprios da cidade – preço da terra, renovação urbana, custo do meio
ambiente – viriam reforçar essa segregação social. (...) O capitalismo buscaria
assim, adaptar a cidade às suas necessidades próprias. p.125
A
lógica de um sistema gera estruturas de ocupação do espaço que permitem
determinadas modalidades de vida social. Estas últimas poderiam adaptar-se ou
não à estrutura social que engendrou a econômica; no caso negativo, as
contradições gerarão conflitos urbanos. (...) Assim, Castells conclui que as
llutas urbanas nada mais são que a expressão mais requintada das lutas de
classes. p.125-126
Esta
posição de Castells assenta na ideia de que tudo o que constitui a vida fora do
trabalho (habitat, lazeres, vida familiar, consumo, etc.) está cada vez mais
submetido ao capital e, por isso, participa cada vez mais do processo de
exploração. As condições da vida fora do trabalho se identificariam
progressivamente com as condições de trabalho, na medida em que se estenderia o
campo da mercadoria. Assim como há uma organização capitalista da fora do
trabalho. p.126
3.2.
O conflito entre valor de uso e valor de troca
Lefebvre
se interessa tanto pelo espaço social, em sua mais ampla generalidade, quanto
pela cidade. Para ele, a peça essencial da articulação do capitalismo ao espaço
é a produção do espaço. Essa vontade de transformar o espaço e a terra em
mercadoria se choca com resistências sociais: “hoje em dia desenvolve-se o
espaço, o conflito entre o valor de troca e o valor de uso. A relação entre o
valor de troca e o valor de uso nada mais é que um conflito lógico, muito
próximo de uma oposição lógica, em Marx, no começo de O Capital. No espaço
social, vemo-los no estado conflitual: vemos a troca apoderar-se do uso e o uso
reagir contra a troca. O espaço social só existe quando usamos caminhando,
deslocando-nos, consumindo-o por meio do turismo. Ora, tudo isso é cada vez
mais vendido, mas ao mesmo tempo o uso replica e manifesta a sua força”. p.127
VIII – Algumas observações para uma
abordagem interdisciplinar do espaço
Michel
Bassand
Nenhuma
ciência detém o monopólio do estudo do espaço. Este só é inteligível por uma
abordagem interdisciplinar (e não pluridisciplinar). Tal afirmação implica, no
mínimo, que cada disciplina interessada no espaço defina, de um lado, o seu
ponto de vista especifico e, de outro, a sua concepção do papel que deveriam
desempenhar as demais disciplinas que participam na compreensão e na explicação
do espaço. p.133
1.
Espaço solo é o que antigamente se chamava de “o
espaço geográfico”. É o espaço formado e transformado por flutuações físicas,
ecológicas e biológicas, fornecendo os recursos indispensáveis a vida dos
homens. É, por isso mesmo, objeto de rivalidades e conflitos. A análise do
espaço-solo vem sendo motivo de múltiplos trabalhos de Geografia física e de
ecologia, mas também de economia, sob o tema da renda fundiária. p.134
2.
O espaço suporte. Nenhuma ação pode ter
lugar sem suporte espacial. As múltiplas formas de produção, consumo e gestão implicam
necessariamente um suporte espacial. Como nem todos os lugares tem o mesmo
valor de uso e a mesma abundancia, o espaço suporte se torna um trunfo
excepcional, que é levado em conta, entre outros, pela analise da renda predial
urbana. O espaço suporte guarda também toda a sua importância nas sociedades
urbanizadas contemporâneas, das quais se afirma que “se deslocalizam” ou se
tornam “a-espaciais” devido ao considerável aperfeiçoamento dos meios de
comunicação e de transporte. p.134
3.
O espaço distancia. Também poderíamos
qualifica-lo de “espaço obstáculo à comunicação e à troca”. Na medida em que o
espaço distancia não é produzido por tecnologias de comunicação e de
transporte, a interação entre os atores separados pelo espaço já não pode
ocorrer. Marx percebera perfeitamente o papel do espaço distancia na formação
das classes sociais: devido ao espaço distancia, os camponeses parcelários não
puderam estruturar-se em classe social: p.135
“Os
camponeses parcelários constituem uma massa enorme cujos membros vivem na mesma
situação, sem contudo estar unidos uns aos outros por relações variadas. Seu
modo de produção os isola uns em vez de conduzi-los a relações reciprocas”.
p.135
4.
O espaço signo e símbolo. O conceito de
morfologia social desenvolvido por E. Durkhein, M Mauss e M. Halbawachs
corresponde, em linhas gerais, ao que entendemos por espaço signo e símbolo.
Mauss define a morfologia social como o “substrato material das sociedades, ou
seja, a forma que assumem ao estabelecer-se no solo, o volume e a densidade da
população, a maneira como ela se distribui, assim como o conjunto das coisas
que servem de sede à vida coletiva”. p.137
Halbwachs conclui, um pouco
mais adiante, que “a maioria dos grupos,
não apenas os que resultam da justaposição permanente dos seus membros, nos
limites de uma cidade, de uma casa ou de um apartamento, mas também muitos
outros, desenham de certo modo a sua forma no solo e vão encontrar suas
lembranças coletivas no quadro espacial assim definido. (...) Tudo se passa
como se a sociedade tomasse consciência de seu corpo, por sai posição no
espaço, e adaptasse sua organização às possibilidades assim percebidas”.
p.137
Tais
processos se explicam pelo fato de o espaço-solo, o espaço suporte e o espaço
distancia terem tamanha importância na dinâmica sócia que se tornam um trunfo
social crucial e, portanto, objeto de uma luta de apropriação. A estrutura do
poder, que lig os atores de uma sociedade, delimita a real apropriação do
espaço, tanto no interior como no exterior – por exemplo, de um imóvel
(fábrica, casa, igreja, etc.), de uma unidade de vizinhança, localidade ou
região. Noutras palavras, a oposição dos atores numa estrutura de poder suscita
praticas de apropriação do espaço bem diversas, como a marcação, a ocupação, a
expulsão, o manejamento, a construção, a transformação. Essa apropriação pode
desenvolver-se por intermédio dos mecanismos do mercado, de decisões politicas,
de procedimentos informais de controle social. É em função de tais práticas que
se estrutura e se organiza o espaço e que os atores moldam para si um meio mais
ou menos específico, exprimindo a sua identidade. Em suma, as grandes infraestruturas
de uma sociedade, o urbanismo, a arquitetura acadêmica e vernacular e a forma
das paisagens são os signos e os símbolos dessas praticas e das relações de
poder – mediadas pelo Estado – que atravessam uma sociedade. Segue-se que a
história provoca todos os tipos de defasagens. A organização do espaço de uma
sociedade, numa determinadas época, nunca é perfeitamente simétrica em relação
à estrutura social correspondente a essa época. p.138
Somente
uma abordagem interdisciplinar do espaço pode se dar conta dessa imbricação
entre o espaço e os sistemas sociais. p.139
O Espaço Interdisciplinar/coordenadores Milton Santos, Maria Adélia A. de Souza. - São Paulo: Nobel, 1986
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