AS
TRÊS ECONOMIAS POLÍTICAS DO WELFARE STATE
O LEGADO DA ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA
O welfare state pode diminuir a distinção
entre classes com extensão da cidadania social? Quais as forças e os interesses
por trás do welfare state?
Ainda no século XIX essa ideia é debatida
pelos cientistas políticos. Vista por Adam Smith e seus seguidores socialistas,
a intervenção do Estado (tendo como base um Estado corrupto) acentuaria a
diferença entre classes, como um adendo do capitalismo para ludibriar os trabalhadores
em beneficio das classes mais abastadas. Já os críticos liberais temiam que a
intervenção estatal através de uma democracia social poderia introduzir o
socialismo na sociedade e economia de maneira irreversível.
Alguns desses críticos defendiam que o Estado
deveria interferir de maneira autoritária visando perpetuar a divisão e
amenizar a luta de classes.
É o modelo social democrata o precursor do
welfare state: a intervenção do Estado eliminaria parte da dependência do
trabalhador em relação ao mercado e ao empregador, realizando ideais
socialistas de igualdade e justiça, sem romper com o capitalismo.
A ECONOMIA POLITICA DO WELFARE STATE
Dois tipos de abordagem dominam as
explicações dos welfare states: uma enfatiza estruturas e sistemas globais; a
outra, instituições e atores.
A
abordagem de sistemas ∕ estruturalista
Esta teoria procura apreender holisticamente
a lógica do desenvolvimento. Como sua atenção se concentra nas leis de
movimento dos sistemas, esta abordagem tende a enfatizar mais as similaridades
do que as diferenças entre as nações; o fato de ser industrializada ou
capitalista sobrepõe-se a variações culturais ou diferenças nas relações de
poder.
Uma variante começa com uma teoria de
sociedade industrial e afirma que a industrialização torna a política social
tanto necessária quanto possível – necessária porque modos de produção
pré-industriais como a família, a igreja, a noblesse
oblique e a solidariedade corporativa são destruídas pelas forças ligadas a
modernização, como a mobilidade social, a urbanização, o individualismo e a
dependência do mercado. O x da questão é que o mercado não é um substituto
adequado, pois estabelece apenas os que conseguem atuar dentro dele. Por isso a
função de bem estar social é apropriada ao Estado-nação.
O welfare state é possibilitado também pelo
surgimento de uma burocracia moderna como forma de organização racional,
universalista e eficiente. É um sistema que emerge a medida que a economia
industrial moderna destrói as instituições sociais tradicionais.
Mas esta abordagem despreza que, conforme a
Lei de Wagner e de Alfred Marshall, é necessário certo nível de desenvolvimento
econômico e, portanto, de excedente, para se poder desviar recursos escassos do
uso produtivo (investimento) para a previdência social. Nesse sentido, a
redistribuição social coloca a eficiência em perigo e só a partir de certo
nível de desenvolvimento é possível evitar um resultado econômico negativo.
O novo estruturalismo marxista parte de um
princípio analítico de que o welfare state é um produto inevitável do modo de
produção capitalista. A acumulação de capital cria contradições que forçam uma
reforma social. Dessa forma, o welfare states não precisa ser promovido por
agentes políticos, o Estado se posiciona de maneira que as necessidades
coletivas do capital sejam satisfeitas.
A
abordagem institucional
Os economistas políticos clássicos deixaram
claro porque as instituições democráticas deveriam influenciar o
desenvolvimento do welfare state. Já os liberais temiam que a democracia plena
comprometesse os mercados e instalasse o socialismo. Foi esse divorcio entre a
economia e a política que fundamentou a abordagem institucional que insiste que
todos os esforços para isolar a economia das instituições sociais e políticas
destruirá a sociedade humana. Para sobreviver, a economia tem de incrustar-se
nas comunidades sociais. Desse modo, a política social é pré-condição
necessária para a reintegração da economia social.
Uma variante da teoria do alinhamento
institucional afirma que os welfare states surgem mais prontamente em economias
pequenas e abertas, particularmente vulneráveis aos mercados internacionais.
Isso acontece porque há uma tendência maior a administrar os conflitos de
distribuição entre as classes por meio do governo e do acordo de interesses
quando tanto as empresas quanto os trabalhadores estão à mercê de forças que
estão fora do controle doméstico.
É uma discussão que se coloca referencia a
qualquer classe ou agente social em particular, por isso é institucional. A tese afirmava que as
maiorias favoreciam a distribuição social para compensar a fraqueza ou os
riscos do mercado. Se é provável que os assalariados exijam um salário seguro-desemprego,
também é provável que os capitalistas exijam proteção sob a forma de tarifas,
monopólio ou subsídios. A democracia é uma instituição que não pode resistir às
demandas da maioria.
Uma das variantes dessa tese diz que a
cidadania plena tem de incluir também os direitos sociais. Outra variante
afirma que a democracia alimenta uma intensa competição dos partidos pelo
eleitor médio, o que, por sua vez, estimula gastos públicos crescentes (por
exemplo, as ampliações importantes da intervenção pública ocorrem em eleições,
como meio de mobilização do eleitorado).
Mas essa tese peca ao associar os direitos
democráticos com o sucesso do welfare state, pois as primeiras iniciativas
importantes e bem sucedidas de welfare state aconteceram antes da democracia,
com o intuito de evitá-la (França de Napoleão III, Alemanha de Bismarck e a
Áustria de Von Taaffe. Inversamente, onde a democracia chegou cedo, o welfare
state retardou-se. Isso explica-se pelo fato de que onde a democracia foi
instaurada mais cedo era esmagadoramente agrárias e dominadas por pequenos
proprietários que usavam seus poderes eleitorais para reduzir os impostos, e
não para elevá-los. As classes dirigentes em políticas autoritárias, ao
contrário, tinham mais condições de impor tributos elevados a uma população
relutante.
A CLASSE SOCIAL ENQUANTO AGENTE POLÍTICO
A tese da mobilização de classe enfatiza s
classes sociais como os principais agentes de mudança e afirma que o equilíbrio
do poder das classes determina a distribuição de renda. (...) Alem disso, supõe
que os welfare states estabelecem por si mesmos as fontes de poder cruciais
para os assalariados e assim fortalecem os movimentos de trabalhadores.
O welfare state é uma fonte de poder. (...)
Os assalariados são manipulados pelo mercado, obrigados a competir, inseguros e
dependentes de decisões e forças fora de seu controle. Isso limita sua
capacidade de mobilização e solidariedade coletiva.
Neste cenário, a mobilização de poder depende
do nível de organização dos sindicatos, do numero de votos e das cadeiras no
parlamento e no governo, obtidas por partidos trabalhistas ou de esquerda.
Mas essa tese tem sido criticada por seu
suecocentrismo, ou seja, em definir a estrutura da mobilização do poder com
base na experiência singular da Suécia.
Há de se ressaltar que a mobilização das
classes trabalhadoras em uma nação não é uma receita de bolo devido às
variáveis introduzidas em cada contexto, baseadas na historia de cada país.
Em síntese, temos de pensar em termos de
relações sociais, e não apenas em categorias sociais.
O QUE É O WELFARE STATE?
Todo modelo teórico precisa definir de algum
modo o welfare state. (...) Não podemos testar argumentos conflitantes a não
ser que tenhamos um conceito de uso geral do fenômeno a ser explicado.
Uma definição comum nos manuais é a de que
ele envolve responsabilidade estatal no sentido de garantir o bem-estar básico
dos cidadãos. Essa definição passa ao largo da questão de saber se as políticas
sociais são emancipadoras ou não; se ajudam a legitimação do sistema ou não; se
contradizem ou ajudam o mercado; e o que realmente significa “básico” no
cenário em que o Welfare State satisfaça as necessidades básicas do cidadão?
Para Cutright (1965) e Wilensky (1975), o
nível econômico, com seus correlatos demográficos e burocráticos, explica a
maioria das variações do welfare state nos países ricos, medidas relevantes de
mobilização da classe trabalhadora ou abertura econômica não estão incluídas.
Diversos outros autores apresentam suas ideias sem testá-las realmente com
explicações alternativas plausíveis.
A maioria dos estudos explica o welfare state
com base nos gastos, mas isso pode corromper a realidade, mais uma vez, porque
cada nação irá definir de forma diversa o destino dos gastos num programa de
assistência estatal. Isso acontece porque o welfare state não segue um padrão
obrigatório e uma nação, ao aplicá-lo pode não o estar fazendo com o exato
intuito de welfare state, visando apenas uma ou outra classe e ainda assim,
aproximando-se de um modelo de bem-estar social. Como um exemplo da disparidade
entre gastos e o sucesso do modelo de democracia social é que uma soma de
pequenos gastos em certos programas pode significar um welfare state mais
comprometido com o pleno emprego.
O que configura um “Estado welfare state”?
Conforme Theoborn (1983) existem três respostas: No mínimo, num welfare state
genuíno, a maioria das atividades rotineiras diárias deve estar voltada para as
necessidades de bem-estar de famílias, mas quando avaliamos as atividades
rotineiras do Estado, em termos de gastos e quadro de funcionários, a maior
parte de suas atividades dizem respeito à lei e a ordem, à administração e
coisas do gênero. O welfare state não é algo do tipo introduzido em um Estado,
mas sim ali nascido. Tampouco é admissível um Estado que se auto-intitule
welfare state com essa prioridade de gastos e demandas citadas.
Uma segunda abordagem pó Richard Titmuss
(1958) define: welfare state residual quando o Estado assume a responsabilidade
quando a família ou o mercado são insuficientes, procurando limitar sua prática
a grupos sociais marginais e merecedores; welfare state institucional quando
universalista destinado a toda a população, personificando um compromisso
institucionalizado com o bem-estar social. Em princípio, procura estender os
benefícios sociais a todas as áreas de distribuição vital para o bem-estar
societário.
Com base em Titmuss, diversos nomes chegaram
a uma nova abordagem que força os pesquisadores a retirar o foco dos gastos para
o conteúdo do welfare state. Nisso, o tipo de benefícios e serviços e, talvez o
mais importante, em que medida o nível de emprego e a vida profissional fazem
parte da ampliação dos direitos do cidadão. Mas sempre, a conceituação será
embaraçosa, pois estaremos comparando tipos de Estados radicalmente diferentes.
Uma terceira abordagem consiste na comparação
entre os modelos já citados com um modelo abstrato para então avaliá-lo como um
todo. Mas isso é a-histórico e não apreende os ideais ou intenções que os
agentes históricos tentaram realizar com as lutas pelo welfare state.
UMA RECONCEITUAÇÃO DO WELFARE STATE
A cidadania social constitui a ideia
fundamental de um welfare state, mas antes de tudo deve-se envolver a garantia
de direitos sociais. Quando são invioláveis, assegurados com base na cidadania
e não no desempenho, implica uma desmercadorização do individuo frente ao
mercado. O status de cidadão vai competir com a posição de classe das pessoas,
e pode mesmo substituí-lo.
O welfare state não pode ser compreendido
apenas em termos de direitos e garantias. Também precisamos considerar de que
forma as atividades estatais se entrelaçam com o papel do mercado e da família
em termos de provisão social.
DIREITOS E DESMERCADORIZAÇÃO
Na sociedade pré-capitalista poucos
trabalhadores eram mercadoria no sentido de sua sobrevivência depender da venda
de sua força de trabalho. Despojar a sociedade das camadas institucionais que
garantiam a reprodução social fora do contrato de trabalho significou a
mercadorizaçao das pessoas. A introdução dos direitos sociais implica um
afrouxamento no status de mercadoria. A desmercadorização ocorre quando a
prestação de um serviço é vista como uma questão de direito ou quando a pessoa
pode manter-se sem depender do mercado.
A previdência ou a assistência social não
gera necessariamente a desmadorização se não emanciparem substancialmente os
indivíduos da dependência do mercado. A assistência aos pobres pode oferecer
uma rede de segurança de ultima instancia. Mas quando os benefícios são poucos
e associados ao estigma social, o sistema de ajuda força todos, a não ser os
mais desesperados, a participarem do mercado. Os primeiros programas de
assistência social foram deliberadamente planejados para maximizar a atuação no
mercado de trabalho.
Quando os trabalhadores dependem inteiramente
do mercado, fica difícil uma mobilização para uma ação de solidariedade, por
exemplo. A desmercadorização favorece o trabalhador e enfraquece a autoridade
absoluta do empregador.
Os direitos desmercadorizados diferem em sua
evolução. Há aqueles em que há predominância da assistência social, com
direitos não tão ligados ao desempenho no trabalho e sim à comprovação da
necessidade. Em países onde esse modelo predomina, sua aplicação resulta no
fortalecimento do mercado, uma vez que todos, menos os que fracassaram no
mercado, serão encorajados a servir-se dos benefícios do setor privado.
Num outro modelo que adota a previdência
social estatal e com compulsória com direitos bastante amplos, tem seus
benefícios dependentes quase que integralmente de contribuições e, assim, de
trabalho e emprego.
Já o modelo Beveridge parece a primeira vista
ser o mais desmercadorizante, uma vez que oferece benefícios básicos e iguais
para todos, independente de ganhos, contribuições ou atuações anteriores no
mercado. Mas só raramente esse modelo consegue oferecer benefícios de qualidade
que crie uma verdadeira opção ao trabalho.
Os welfare states desmercadorizantes são
recentes. Uma definição mínima deve envolver a liberdade dos cidadãos, e sem
perda potencial de trabalho, rendimentos ou benefícios sociais, de parar de
trabalhar quando acham necessário.
Algumas nações chegaram próximas a
desmercadorização no final da dos anos 60 e inicio da década de 70. Em quase
todas as nações, os benefícios chegaram próximo da igualdade com os salários
normais, porem com esperas e burocracias desanimadoras. Os welfare states
escandinavos tendem a ser os mais desmercadorizantes, os anglo-saxões, os
menos.
O WELFARE STATE ENQUANTO SISTEMA DE ESTRATIFICAÇÃO
O relacionamento entre classe social e
cidadania, tem desde muito tempo, sido negligenciado, com o argumento que o
welfare state criaria uma sociedade igualitária. Algumas escassas abrangências
do tema foram sobre a distribuição de rende e sobre a educação como meio de
ascensão social. Mas o welfare state não é apenas um mecanismo que intervém – e
talvez corrija – a estrutura de desigualdade; é, em si mesmo, um sistema de
estratificação. É uma força ativa no ordenamento das relações sociais.
A tradição de ajuda aos pobres e a
assistência social a pessoas comprovadamente necessitadas, foram visivelmente
planejadas com o propósito de estratificação. Ao estigmatizar seus
beneficiários, promove dualismos sociais e por isso é alvo de ataques oriundos
dos trabalhadores.
A instituição de benefícios previdenciários
particularmente privilegiados pra o funcionalismo público foi um meio de
recompensar a lealdade ao Estado e demarcar o status social singularmente
elevado deste grupo. Este modelo de diferenciação de status é antigo, Bismark
viam nessa tradição uma forma de combater os movimentos de trabalhadores.
As primeiras alternativas adotadas, quase
invariavelmente, o modelo de sociedades auto-organizadas de ajuda mutua ou algo
equivalente – projetos de ajuda mútua ou bem-estar comum - defendidos por
sindicatos ou partidos. Os trabalhadores desconfiavam de reformas promovidas
por um Estado hostil, e viam suas próprias organizações não só como bases para
a mobilização de classes, mas também como embriões de um mundo alternativo de
solidariedade e justiça, um microssomo do paraíso socialista futuro. Mas essas
sociedades micro-socialistas mais dividiam do que uniam os trabalhadores. Isso
porque a participação se restringia às camadas mais fortes, e as classes mais
fracas de trabalhadores – os que mais precisavam de proteção – eram em geral
excluídas.
Os socialistas passaram a adotar o principio
do universalismo; tomado dos liberais, esse programa segue a linha do benefício
uniforme democrático. Como alternativa à assistência aos comprovadamente pobres
e à seguridade social corporativista, o sistema universalista promove a
igualdade de status. Todos os cidadãos são dotados de direitos semelhantes,
independente da classe ou da posição no mercado. Nesse sentido, o sistema pretende
cultivas a solidariedade entre as classes, uma solidariedade da nação. Mas isso
só daria certo enquanto a grande massa da sociedade for menos abastada de forma
que os benefícios fossem considerados adequados. Conforme o poder aquisitivo da
classe aumenta, estes benefícios se tornam insuficientes e parte-se para a
previdência privada, por exemplo. Os pobres contam com o Estado, os outros, com
o mercado.
Todos os modelos de welfare state, não só o
universalista, estancam pelos problemas oriundos nas modificações da estrutura
de classes. Diante desses problemas, uma das soluções encontradas na Alemanha,
foi alterar a base do beneficio, em vez de ser proporcional a contribuição,
torná-lo proporcional a remuneração.
REGIMES DE WELFARE STATES
As diversas variações internacionais do
welfare state nos mostram combinações qualitativamente diferentes entre Estado,
mercado e família.
Onde se aplica o welfare state liberal,
predomina a assistência aos comprovadamente pobres e modestos planos de
previdência social. Os benefícios atingem principalmente uma clientela de baixa
renda, em geral composta por trabalhadores ou dependentes do Estado. Aqui, o
Estado encoraja o mercado, tanto passiva – ao garantir apenas os benefícios
mínimos – quanto ativamente – ao subsidiar esquemas privados de previdência.
Esse tipo de regime minimiza os efeitos da
desmercadorização, contem o domínio efetivo dos direitos sociais e edifica a
estratificação. Exemplos desse modelo podem ser encontrados nos EUA, Canadá e
Austrália.
Um segundo tipo de regime, o welfare state
conservador encontrado na Áustria, França, Alemanha e Itália. É um modelo
fortemente corporativista onde a obsessão liberal com a mercadorização e a
eficiência do mercado nunca foi marcante e, por isso a questão dos direitos
sociais nunca chegou a ser uma questão seriamente controvertida. O que
predominava era a preservação das diferenças de status, os direitos, portanto
estavam ligados a classe e ao status. Este corporativismo estava por baixo de
um edifício estatal inteiramente pronto a substituir o mercado enquanto
provedor de benefícios, por isso a previdência privada desempenha um papel
secundário. Contudo o impacto na distribuição de renda é desprezível uma vez
que mantém as diferenças de classes.
Mas os regimes corporativistas são moldados
de forma típica pela Igreja e por isso são muito comprometidos com a
preservação da família tradicional. O principio da subsidiaridade serve para
enfatizar que o Estado só interfere quando a capacidade da família servir os
seus membros se exaure.
O terceiro grupo de países com o mesmo regime
compõe-se de nações onde os princípios de universalismo e desmercadorização dos
direitos sociais estenderam-se também às novas classes médias. Podemos chama-lo
de regime social-democrata, pois nestas nações, a social democracia foi
claramente a força dominante por trás da reforma social. Busca-se um welfare
state que promova igualdade com os melhores padrões de qualidade e não uma
igualdade das necessidades mínimas, como se procurou realizar em toda parte.
Isso implicava, em primeiro lugar, que os serviços e benefícios fossem elevados
a níveis compatíveis ate mesmo com o gasto mais refinado das novas classes
médias; e, em segundo lugar, que a igualdade fosse concedida garantindo-se aos
trabalhadores plena participação dos direitos desfrutados pelos mais ricos.
Esta formula traduz-se numa mistura de
programas altamente desmercadorizantes e universalistas que, mesmo assim,
correspondem a expectativas diferenciadas. Desse modo, os trabalhadores braçais
chegam a desfrutar de direitos idênticos ao dos empregados White collar
assalariados ou dos funcionários públicos; todas as camadas são incorporadas a
um sistema universal de seguros, mas mesmo assim os benefícios são graduados de
acordo com os ganhos habituais. Este modelo exclui o mercado e, em
consequência, constrói uma solidariedade essencialmente universal em favor do
welfare state.
Ao contrario do modelo corporativista
subsidiador, o principio aqui não é esperar ate que a capacidade de ajuda da
família se exaura, mas sim de socializar antecipadamente os custos da família.
O ideal não é maximizar a dependência da família, mas capacitar a independência
individual. Nesse sentido, o modelo é uma fusão peculiar de liberalismo e
socialismo. Por conseguinte, o modelo assume uma pesada carga social.
Talvez a característica mais notável do
regime social-democrata seja a fusão entre o serviço social e o trabalho. Está
ao mesmo tempo genuinamente comprometido com a garantia do pleno emprego e
inteiramente dependente de sua concretização. Os enormes cistos de manutenção
de um sistema de bem-estar solidário, universalista e desmercadorizante indicam
que é preciso minimizar os problemas sociais e maximizar os rendimentos. A
melhor forma de conseguir isso é, obviamente, com o maior numero possível de
pessoas trabalhando e com o mínimo possível vivendo de transferências sociais.
Os modelos de welfare states, apesar de
caracterizarem-se distintamente, não chegam a ser puros, agregando em um
determinado momento, características de um outro modelo vigente. Apesar da
falta de pureza, se nossos critérios essenciais para definir os welfare states
tem a ver com a qualidade dos direitos sociais, com a estratificação social e
com o relacionamento entre Estado, mercado e família, então obviamente o mundo
compõe-se de aglomerados distintos de regimes. Comparar os welfare states na
base do mais ou menos ou, na verdade, de melhor ou pior, levará a resultados
muito equivocados.
CAUSAS DOS REGIMES DE WELFARE STATES
Se os welfare states se agrupam em três tipos
distintos de regime, estamos frente a tarefa muito mais complexa de identificar
as causas das diferenças entre eles. As nações que estudamos são todas mais ou
menos parecidas com relação a quase todas as variáveis, exceto a da mobilização
da classe trabalhadora. E encontramos partidos e movimentos de trabalhadores
muito poderosos em cada um dos três agrupamentos.
Uma teoria do desenvolvimento do welfare
state deve obviamente reconsiderar suas hipóteses causais se quiser explicar os
agrupamentos. A tarefa é identificar efeitos de interação notáveis. Assim, três
fatores em particular seriam importantes: a natureza da mobilização de classe
(principalmente classe trabalhadora); as estruturas da coalizão política de
classe; e o legado histórico da institucionalização do regime.
Não há absolutamente nenhuma razão que nos
leve a acreditar que os trabalhadores venham a forjar automática e naturalmente
uma identidade de classe socialista. A formação histórica das coletividades das
classes trabalhadora varia, assim como seus objetivos, ideologias e capacidades
políticas. Existem diferenças fundamentais tanto no desenvolvimento do
sindicalismo quanto dos partidos políticos. Os sindicatos podem organizar-se
por categorias ou em função de objetivos mais universais, pode ser religiosos
ou leigos; podem ser ideológicos ou não. Quaisquer que sejam, afetam
decisivamente a articulação das demandas políticas, da coesão de classe e do
alcance da ação dos partidos dos trabalhadores. É claro que uma tese de
mobilização da classe trabalhadora tem de prestar atenção à estrutura sindical.
A estrutura do sindicalismo pode ou não se
refletir na formação de um partido dos trabalhadores, mas muitos fatores
conspiram para tornar praticamente impossível supor que qualquer partido
trabalhista ou de esquerda chegue algum dia, sozinho, a estruturar um welfare
state.
Já notamos que a classe trabalhadora tradicional
quase nunca constitui uma maioria eleitoral. Conclui-se daí que uma teoria da
mobilização de classe deve ir além dos grandes partidos de esquerda.
É um fato histórico que a construção do
welfare state dependeu da edificação de coalizões políticas. A estrutura das
coalizões de classe é muito mais decisiva que as fontes de poder de qualquer
classe tomada isoladamente.
O surgimento das coalizões alternativas de
classe é, em parte, determinado pela formação da classe. Nas primeiras fases da
industrialização, as classes rurais em geral constituíam isoladamente o maior
grupo do eleitorado. Se os social-democratas queriam maiorias políticas, era aí
que tinham de buscar aliados. Um dos muitos paradoxos da história é que as
classes rurais foram decisivas para o futuro do socialismo. Onde a economia era
dominada por famílias de pequenos proprietários com elevado coeficiente de
capital, o potencial para se fazer uma aliança era maior do que nas economias
dependentes de grandes aglomerados de trabalho barato. E onde os proprietários
de terra eram politicamente articulados e bem organizados, a capacidade de
negociar acordos políticos era muitíssimo superior.
O papel dos proprietários de terra na
formação das coalizões e, por conseguinte, no desenvolvimento de um welfare
state, é claro. Nos EUA, o New Deal baseou-se numa coalizão semelhante (forjada
pelo Partido Democrata), mas com a importante diferença de que o Sul, com uso
intensivo de mão de obra, bloqueou um sistema de previdência social realmente
universalista e se opôs a outros projetos de bem estar social. A economia rural
da Europa continental era, ao contrario, muito hostil a coalizões
verde-vermelho. Muitas vezes, como na Alemanha e na Itália, grande parte da
agricultura era intensiva em Mao de obra e, por isso os sindicatos e partidos
de esquerda eram vistos como ameaça.
A dominação política foi – até depois da
Segunda Guerra Mundial – em grande parte, uma questão de política das classes
rurais. A edificação de welfare state neste período foi, portanto, ditada pelo
tipo de força que conseguisse atrair os proprietários de terras. Mais tarde, a maioria das nações se depararia
com um dilema, o fato de a camada ascendente dos White collar constituir o
ponto vital das maiorias políticas. A consolidação dos welfare states depois da
Segunda Guerra passou a depender fundamentalmente de alianças políticas com as
novas classes médias.
Como as novas classes médias desfrutaram – em
termos históricos – de uma posição relativamente privilegiada no mercado,
também tiveram bastante sucesso no sentido de satisfazer suas demandas
previdenciárias fora do Estado e, quando funcionários públicos, de conseguir
uma previdência social privilegiada. A segurança no emprego é tradicionalmente
de tal ordem que o pleno emprego tem sido uma preocupação secundária. Por fim,
qualquer programa de equiparação drástica de renda provavelmente vai enfrentar
grande hostilidade da clientela de classe media. Tendo em mente estes
elementos, poderíamos concluir que o surgimento das novas classes médias
abortaria o projeto social-democrata e fortaleceria a fórmula liberal do
welfare state.
As tendências políticas das novas classes
médias tem realmente sido decisivas para a consolidação do welfare state. O
papel desse grupo na modelagem dos três regimes de welfare state que
descrevemos acima é claro. O modelo escandinavo baseou-se quase inteiramente na
capacidade da social-democracia de incorporá-las num novo tipo de welfare
state: o que proporciona benefícios correspondentes aos gostos e expectativas
das classes médias, mas ainda assim preserva o universalismo de direitos. Na
verdade, ao expandir os serviços sociais e o emprego público, o welfare state
participou de forma direta na constituição de uma classe média instrumentalmente
dedicada a social-democracia.
As nações anglo-saxônicas, ao contrário,
preservaram o modelo residual de welfare state exatamente porque as novas
classes médias não trocaram o mercado pelo Estado. Em termos de classe, a
consequência é o dualismo. O welfare state atende essencialmente a classe
trabalhadora e os pobres. A previdência privada e os benefícios ocupacionais
atendem as classes medias. Dada à importância eleitoral destas ultimas, é
lógico que houve resistência a maiores extensões das atividades do welfare
state.
O terceiro regime, o da Europa Continental,
também foi marcado pelas novas classes médias, mas de forma diferente. A causa
é histórica. Desenvolvidos por forças políticas conservadoras, esses regimes
institucionalizaram a lealdade da classe média à preservação tanto de programas
de previdência social segregados ocupacionalmente quanto, em ultima instancia,
das forças políticas que geraram.
CONCLUSÃO
Apresentamos aqui uma alternativa a uma
teoria simples da mobilização de classe no desenvolvimento do welfare state.
Foi motivada pela necessidade analítica de passar de uma abordagem linear para
uma abordagem interativa tanto com relação aos welfare states quanto as suas
causas. Se quisermos estudar os welfare states temos de começar com um conjunto
de critérios que definam seu papel na sociedade. Este papel não é certamente
gastar ou tributar; nem é necessariamente o de criar igualdade. Apresentamos
uma estrutura para comparar welfare states que levam em consideração os
princípios pelos quais os agentes históricos uniram-se e lutaram
voluntariamente. Quando focalizamos os princípios inscrustrados nos welfare
states descobrimos agrupamentos distintos de regimes, não meras variações de
mais ou menos em torno de um denominador comum.
As forças históricas por trás das diferenças
de regime são interativas. Envolvem, em primeiro lugar, o modelo de formação
política da classe trabalhadora e, em segundo, a edificação de coalizões
políticas é decisiva. Em terceiro lugar, as reformas anteriores contribuíram
decisivamente para a institucionalização das preferências de classe e do
comportamento político. Nos regimes corporativistas, a previdência social que
promovia distinções hierárquicas de status cimentou a lealdade da classe média
a um tipo peculiar de estado de welfare state. Nos regimes liberais, as classes
médias casaram-se institucionalmente com o mercado. E, na Escandinávia, os
êxitos da social-democracia durante as décadas anteriores ligaram-se
estreitamente à instituição de um welfare state de classe media que beneficia
tanto sua clientela tradicional na classe trabalhadora quanto a nova camada dos
White collar. Os social-democratas escandinavos conseguiram realizar esse feito
em parte porque o mercado previdenciário privado era relativamente pouco
desenvolvido e, em parte, porque foram capazes de edificar um welfare state com
trações de luxo suficiente para satisfazer as necessidades de um público mais
diferenciado. Isto também explica o custo extraordinariamente elevado dos
welfare states da Escandinávia.
Mas uma teoria que pretende explicar o
crescimento do welfare state também deve ser capaz de entender sua redução ou
declínio. Em geral acredita-se que reações violentas ao welfare state e
revoltas anti-taxação só detonadas quando os gastos sociais tornam-se grandes
demais. Paradoxalmente, o oposto é que é verdade. Os sentimentos contrários ao
welfare state durante a última década em geral foram mais fracos quando as
despesas foram maiores e vice-versa. Por quê?
Os perigos de reações violentas contra o
welfare state não dependem dos gastos, mas do caráter de classe dos welfare
states. Aqueles de classe média, sejam eles social-democratas (como na
Escandinávia) ou corporativistas (como na Alemanha) forjam lealdades por parte
da classe média. Os welfare states residuais, liberais, como nos EUA, Canadá e,
cada vez mais a Grã-Bretanha, dependem da lealdade de uma camada social numericamente
pequena muitas vezes politicamente residual. Nesse sentido, as coalizões de
classe em que se baseiam os três tipos de regime do welfare state não explicam
apenas a sua evolução passada, mas também, suas perspectivas futuras.
ESPING-ANDERSEN, G.
1991
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