Danilo Piccoli Neto
Flamarion Dutra Alves
Humboldt viveu 90
anos deixando em suas obras, um legado à posteridade da sistematização e
constituição do pensamento científico moderno que se estruturava durante o
século XIX; ao mesmo tempo, marcam o final da era dos grandes homens detentores
de conhecimentos vastos, abarcando diversos ramos do saber.
Educação e contribuições à ciência em geral
Em Berlin, 14 de
setembro de 1769 nascia Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander Von Humboldt. Seu
intelecto pôde ser desenvolvido sem grandes percalços materiais no castelo de
Tegel. Era filho de família nobre, seu pai, o maçom e major Alexander George
Von Humboldt era estandarte e amigo do rei Frederico da Prússia, o que lhe possibilitou
dispor de bens e recursos para engendrar seus projetos e sonhos mais ousados. O
núcleo familiar era completo contando com seu irmão mais velho, Guilherme de
Humboldt, também dotado de um intelecto marcante nas fronteiras do saber,
re-estruturador da Universidade de Berlin e um dos responsáveis pela criação da
cátedra de geografia, a qual Humboldt ocuparia lá em idade avançada.
Dentre seus
estudos, destacam-se finanças com consistente formação em economia política,
botânica, física, engenharia, geologia, comércio e línguas clássicas.
Na estrutura
científica de sua época, Humboldt se destacou como naturalista, abarcando os
campos da zoologia, química, astronomia, sociologia, física, geologia e
botânica, mas foi à geografia que o prussiano dedicou especial atenção e é
considerado, até mesmo, um dos fundadores do ramo da geografia física (termo
que empregava diferentemente do contexto atual, e que às vezes constava como física
terrestre ou física de mundo).
Humboldt seria ainda um grande fomentados das
ciências, quando aos sessenta anos, por convocação da corte do rei Frederico
Guilherme da Prússia, ocuparia a função de conselheiro científico e artístico.
Realizaria também funções de Estado, como assessor do Departamento de Mineração
e Fusão de Minérios em Berlim e diretor geral das Minas da Francônia.
Um homem
aberto ao conhecimento e a desbravar o mundo
Ele foi o
maior cientista viajante que já viveu. Eu sempre o admirei, agora eu o adoro – Charles Darwin.
Humboldt foi daqueles cuja personalidade
preencheu o espírito dos europeus que lançavam suas expectativas, sonhos e
curiosidades para o além-mar, desejosos em desbravar os novos mundos “intocados”,
que pouco a pouco começavam a se integrar em um sistema de mundo unificado. Aos
oito anos de idade, o rei Frederico da Prússia perguntou ao menino Humboldt se
ele queria ser um conquistador, o mesmo respondeu: “Sim, mas com a minha cabeça”
(Aragão, 1960).
Seu pai faleceu precocemente o que o deixou
ainda mais ligado a mãe, sendo por isso que suas viagens somente se
intensificaram após a morte da mesma.
De posse de um plano expedicionário, consegue
através da influencia de sua nobreza, uma anuência com o rei da Espanha, Carlos
IV. Nesta anuência, Humboldt consegue além da permissão para o Novo Mundo, uma
carta do rei com instruções a todos os capitães-generais, comandantes de
província, governadores, enfim, aos diversos funcionários da coroa, para que
facilitassem de todas as maneiras a passagem dos viajantes pela América
Espanhola.
Por ser reconhecido como um grande cientista
pela coroa, Humboldt teve acesso a informações sigilosas, raras, de extrema relevância,
um rico referencial bibliográfico. Equipado com uma sólida formação científica
e achando-se em pose de fortuna pessoal considerável, pôde tirar o máximo
proveito de sua viagem e avançar nos estudos americanistas durante seu trajeto.
Em 15 de julho de 1799 chega na Venezuela
após mais de um mês de viagem no veleiro El Pizarro. Destacam-se nesta ocasião,
estudos meteorológicos, hidrográficos e da vegetação. Quanto aos “americaníndios”,
Humboldt fez menção à vida dos índios e às relações empíricas que estes
mantinham com a geografia, que os levava a ser, em suas palavras, excelentes
geógrafos e, portanto, uma boa fonte de informação.
Contudo, relações de Estado prevalecem sobre
as relações de ciência e pesquisa, no conhecido caso em que é negada a permanência
de Humboldt em território português, e onde ele e o amigo Bonpland são encarcerados
e têm seus bens e anotações confiscados, somente livres do cárcere pela
intervenção do padre jesuíta Zéa.
Até dezembro de 1800, têm-se mais três mil quilômetros
de rios navegados e dezesseis mil itens colecionados e inventariados, dentre
plantas, peles, rochas, etc.
A partir de janeiro de 1802, em contato com a
história inca e vendo na pratica o trato com o habitante da colônia, o
naturalista coloca em seus relatos e nas cartas endereçadas a seu irmão o
repúdio aos atos praticados pelos espanhóis e antevê na efervescência das ruas
o sentimento latente de liberdade, que culminaria na independência das colônias.
Em Quito, deixa-se transparecer o Humboldt
que zela pelo ideal da liberdade, condenando a falta de imprensa livre,
criticando o sistema de educação imposto às colônias, e ate escrevendo
folhetins com Carlos Montúfar. É dessas vivencias que nascem obras famosas de
combate a escravidão. Humboldt foi um homem de firmes convicções políticas
liberais, defendendo sempre as aspirações dos grupos sociais oprimidos e as
instituições livres. Dos manuscritos deixados por Humboldt, fica o
reconhecimento na frase de Simon Bolívar: “Alexander Von Humboldt FEA mais pela
América que todos os seus conquistadores, ele é o verdadeiro descobridor da América”.
Aragão, 1960 mostra um Humboldt de “sensível espírito
humanístico”, que percebe a maturidade política das colônias para se tornarem
independentes. Essa faceta do naturalista, admirado com o “espírito de
liberdade”, pode ser considerada um tanto ingênua para a questão da América
Espanhola e característica de um espírito humanístico idealista. Quem tenta lhe
abrir os olhos é o então presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, amigo
e admirador de Humboldt. Os dois viriam a trocar uma serie de correspondências,
tendo Humboldt auxiliado o amigo inclusive em questões territoriais sobre
fronteiras, entre outras coisas.
Ainda na América, um dos ápices da viagem, em
termos de descobertas científicas, foi a constatação da corrente do Pacífico
Sul e os efeitos dela ocasionados.
Contribuições
à constituição inicial da Geografia como ramo científico
“Eu o
considero o cientista mais importante que encontrei” – Thomas Jefferson
Na visão de La Blache, temos um Humboldt
preocupado com a coordenação e a classificação dos fatos, em que a conexão dos
fatos é mais importante do que o fato em si, mesmo que seja algo novo. Humboldt
lança diversas bases para a geografia física, como em climatologia (termo
provavelmente de sua autoria), botânica, orografia, oceanografia, geologia,
etc.; alem disso, traz para a geografia fatores pouco explorados que agem sobre
as populações, como a estatística, a economia política, a pesquisa da origem
das línguas e das migrações humanas.
É importante levar em conta a consideração de
Capel (2007) quanto a Humboldt buscar identificar e compreender as relações
aparentemente desconexas dos fenômenos, cuja conexão não pode ser deduzida de
um sistema taxonômico.
Em Humboldt já há uma perspectiva a
formulação de leis terrestres e da interligação entre os diversos fenômenos. O método
comparativo que permite generalizações universais e a perspectiva histórica de
evolução, em detrimento de uma natureza imutável, são as maiores contribuições
de Humboldt para a ciência na visão de Capel.
De Shelling ficam em Humboldt características
de uma natureza orgânica, ligada a alguns pressupostos vitalistas de impulso
vital, que mantém no prussiano elementos do transcendental, apesar de sua forte
relação com a empiria e a busca de explicação dos fenômenos de forma
precisa (como vimos no caso do lago
assombrado por espíritos na América, o qual Humboldt desmistifica). A parte estética,
como observamos, pode ser atribuída a influencias de Schiller, sendo possível atribuir
também influencias kantianas, como a aceitação da distinção entre “sistemas da
natureza” e “descrições da natureza”.
A ciência humboldtiana, que se estendeu para
alem do próprio Humboldt, traz o empirismo baconiano, muito presente no modelo
cientifico do século XIX, e a preocupação com a mensuração precisa dos fenômenos,
para aí proceder em generalizações, formulando leis, trabalhando com o que o
prussiano denominava “física terrestre”.
Humboldt não se considerava um explorador,
mas sim um viajante científico que media com precisão o que os exploradores
tinham relatado incorretamente. A real busca é a interconexão dos fenômenos naturais,
sua forma de sistematização, é por meio de leis matemáticas, gráficos, tabelas
e mapas.
Ainda para Capel, existe fortemente em
Humboldt a ideia de “harmonia”, que, aliada à sua estada em Freiberg e aos seus
estudos de Geognosia, provavelmente levou à ideia de “harmonia da natureza”, e
de que essa poderia ser empiricamente demonstrada. Esse é o grande projeto
humboldtiano, um todo harmonioso, com partes intimamente relacionadas e, movido
por forças internas, tudo passível de uma concepção idealista empiricamente demonstrável.
Paul Claval atenta para o fato de que a
postura de Humboldt em não se ater somente à justaposição dos fenômenos, e sim
na procura das propriedades globais dos conjuntos, aliado à sua base empírica
de campo e um entendimento da diferenciação regional da terra, partindo das reflexões
de Kant, fez que, como naturalista, introduzisse um conceito base para a
Geografia moderna: o de meio.
A América pode ser considerada o grande laboratório
vivo, onde o extraordinário conhecimento teórico de Humboldt pode ser colocado
na prática com grande vigor, gerando inúmeros trabalhos e descobertas que contribuíram
para a constituição inicial do saber geográfico. O prussiano compilaria
diversos dados gerando cartas, mapas, gráficos e esquemas, constituindo o que
seria o primeiro atlas temático em que se caracteriza um continente que não fosse
a Europa, presente que foi dado ao amigo Thomas Jeferson.
A diversidade de economias e prosperidade dos
locais visitados fez com que Humboldt realizasse estudos regionais
comparativos, reforçados também pela diversidade do relevo, do clima e da
vegetação.
Contribuiria sobremaneira para com a climatologia,
dividindo as terras quentes, frias e temperadas, com base no conhecimento local
dos habitantes da America.
De visão arrojada, também notaria em um dos
volumes a necessidade de uma ligação entre o Atlântico e o Pacifico, sendo o
pai intelectual do canal do Panamá.
Humboldt trabalha no volume de Cosmos de
maneira inicial e próxima ao que viria a ser a Geografia descritiva
tradicional, e trabalha o elemento paisagem como retrato e ligação entre o
observador e objeto, por meio da arte (pintura). O estudo da paisagem em Cosmos
é um desdobramento de suas preocupações iniciais com a ideia de natureza.
Argumentações,
críticas e considerações finais
É ainda corrente que o ideário de que
Humboldt seria o grande expedicionário europeu que viria a descobrir o intocado
continente americano. Pode ser considerado o descobridor científico da America
do Sul. Vale ressaltar que na América Espanhola já havia estudos, e que uma
rede de pesquisa em universidades e centros especializados se constituiria logo
no primeiro século de colonização, como a Universidade do México que data de
1551, fazendo parte de uma estratégia de ocupação planejada da metrópole europeia
em conhecer sua colônia para dela poder extrair os recursos.
Não se pode de maneira alguma descartar a
genialidade de Humboldt em analisar o cenário que vivenciou, especialmente na
América.
Como grande pesquisador, reconhecido e
reverenciado mundialmente com trabalhos de impacto, seria incomum acreditar que
Humboldt estaria a salvo de criticas e das analises posteriores da historia
sobre a ocorrência dos fatos em seu tempo.
Por todas as referencias que vêm à luz nos
estudos de Humboldt, muitas vezes de trabalhos relegados ao esquecimento, ou
pouco valorizados, Diener (2001) exemplarmente coloca que “podemos afirmar que
um dos grandes descobrimentos da sua viagem consistirá, precisamente, em dar a
valoração que merece à literatura científica da Espanha e América Espanhola”.
Berghaus, ao organizar o atlas mundial,
batiza a corrente fria do Pacífico Sul de “Corrente Humboldt” em homenagem ao
seu descobridor. Mas Humboldt achou a atitude exagerada alegando que ele apenas
trouxe a tona o assunto sendo a corrente já conhecida a 300 anos por
pescadores.
Vemos nesse fato o prussiano em uma atitude
completamente modesta, que se assemelha a um Humboldt catalogador, que ligou
conhecimentos já existentes para propor uma nova ideia.
Se conferir seu nome ao fenômeno pode ser
considerada uma homenagem extremada por Humboldt, e se esse vê com modéstia sua
descoberta com base em relatos existentes, não se pode deixar de constatar que
esse homem, preocupado em fazer grandes compilações, com um conhecimento enciclopédico,
não se ateve apenas a reproduzir, mas mostrou articular tudo isso para propor
teorias explicativas. Talvez aí resida uma das maiores contribuições de
Humboldt, não em descobrir explicações para fenômenos, medir com precisão locais
a partir de conhecimentos astronômicos, mas sim em coadunar compilações para
ousar em propor algo novo. Reside aí, talvez, o espírito que caracteriza os
grandes homens da ciência.
Fichado por Kelly Leão
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