sábado, 23 de fevereiro de 2013

ALEXANDER VON HUMBOLDT: VIAJANTE NATURALISTA E ENTUSIASTA DA HARMONIA DA NATUREZA



Danilo Piccoli Neto
Flamarion Dutra Alves

Humboldt viveu 90 anos deixando em suas obras, um legado à posteridade da sistematização e constituição do pensamento científico moderno que se estruturava durante o século XIX; ao mesmo tempo, marcam o final da era dos grandes homens detentores de conhecimentos vastos, abarcando diversos ramos do saber.

Educação e contribuições à ciência em geral
Em Berlin, 14 de setembro de 1769 nascia Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander Von Humboldt. Seu intelecto pôde ser desenvolvido sem grandes percalços materiais no castelo de Tegel. Era filho de família nobre, seu pai, o maçom e major Alexander George Von Humboldt era estandarte e amigo do rei Frederico da Prússia, o que lhe possibilitou dispor de bens e recursos para engendrar seus projetos e sonhos mais ousados. O núcleo familiar era completo contando com seu irmão mais velho, Guilherme de Humboldt, também dotado de um intelecto marcante nas fronteiras do saber, re-estruturador da Universidade de Berlin e um dos responsáveis pela criação da cátedra de geografia, a qual Humboldt ocuparia lá em idade avançada.
Dentre seus estudos, destacam-se finanças com consistente formação em economia política, botânica, física, engenharia, geologia, comércio e línguas clássicas.
Na estrutura científica de sua época, Humboldt se destacou como naturalista, abarcando os campos da zoologia, química, astronomia, sociologia, física, geologia e botânica, mas foi à geografia que o prussiano dedicou especial atenção e é considerado, até mesmo, um dos fundadores do ramo da geografia física (termo que empregava diferentemente do contexto atual, e que às vezes constava como física terrestre ou física de mundo).
Humboldt seria ainda um grande fomentados das ciências, quando aos sessenta anos, por convocação da corte do rei Frederico Guilherme da Prússia, ocuparia a função de conselheiro científico e artístico. Realizaria também funções de Estado, como assessor do Departamento de Mineração e Fusão de Minérios em Berlim e diretor geral das Minas da Francônia.

Um homem aberto ao conhecimento e a desbravar o mundo
Ele foi o maior cientista viajante que já viveu. Eu sempre o admirei, agora eu o adoro – Charles Darwin.
Humboldt foi daqueles cuja personalidade preencheu o espírito dos europeus que lançavam suas expectativas, sonhos e curiosidades para o além-mar, desejosos em desbravar os novos mundos “intocados”, que pouco a pouco começavam a se integrar em um sistema de mundo unificado. Aos oito anos de idade, o rei Frederico da Prússia perguntou ao menino Humboldt se ele queria ser um conquistador, o mesmo respondeu: “Sim, mas com a minha cabeça” (Aragão, 1960).
Seu pai faleceu precocemente o que o deixou ainda mais ligado a mãe, sendo por isso que suas viagens somente se intensificaram após a morte da mesma. 
De posse de um plano expedicionário, consegue através da influencia de sua nobreza, uma anuência com o rei da Espanha, Carlos IV. Nesta anuência, Humboldt consegue além da permissão para o Novo Mundo, uma carta do rei com instruções a todos os capitães-generais, comandantes de província, governadores, enfim, aos diversos funcionários da coroa, para que facilitassem de todas as maneiras a passagem dos viajantes pela América Espanhola.
Por ser reconhecido como um grande cientista pela coroa, Humboldt teve acesso a informações sigilosas, raras, de extrema relevância, um rico referencial bibliográfico. Equipado com uma sólida formação científica e achando-se em pose de fortuna pessoal considerável, pôde tirar o máximo proveito de sua viagem e avançar nos estudos americanistas durante seu trajeto.
Em 15 de julho de 1799 chega na Venezuela após mais de um mês de viagem no veleiro El Pizarro. Destacam-se nesta ocasião, estudos meteorológicos, hidrográficos e da vegetação. Quanto aos “americaníndios”, Humboldt fez menção à vida dos índios e às relações empíricas que estes mantinham com a geografia, que os levava a ser, em suas palavras, excelentes geógrafos e, portanto, uma boa fonte de informação.
Contudo, relações de Estado prevalecem sobre as relações de ciência e pesquisa, no conhecido caso em que é negada a permanência de Humboldt em território português, e onde ele e o amigo Bonpland são encarcerados e têm seus bens e anotações confiscados, somente livres do cárcere pela intervenção do padre jesuíta Zéa.
Até dezembro de 1800, têm-se mais três mil quilômetros de rios navegados e dezesseis mil itens colecionados e inventariados, dentre plantas, peles, rochas, etc.
A partir de janeiro de 1802, em contato com a história inca e vendo na pratica o trato com o habitante da colônia, o naturalista coloca em seus relatos e nas cartas endereçadas a seu irmão o repúdio aos atos praticados pelos espanhóis e antevê na efervescência das ruas o sentimento latente de liberdade, que culminaria na independência das colônias.
Em Quito, deixa-se transparecer o Humboldt que zela pelo ideal da liberdade, condenando a falta de imprensa livre, criticando o sistema de educação imposto às colônias, e ate escrevendo folhetins com Carlos Montúfar. É dessas vivencias que nascem obras famosas de combate a escravidão. Humboldt foi um homem de firmes convicções políticas liberais, defendendo sempre as aspirações dos grupos sociais oprimidos e as instituições livres. Dos manuscritos deixados por Humboldt, fica o reconhecimento na frase de Simon Bolívar: “Alexander Von Humboldt FEA mais pela América que todos os seus conquistadores, ele é o verdadeiro descobridor da América”.
Aragão, 1960 mostra um Humboldt de “sensível espírito humanístico”, que percebe a maturidade política das colônias para se tornarem independentes. Essa faceta do naturalista, admirado com o “espírito de liberdade”, pode ser considerada um tanto ingênua para a questão da América Espanhola e característica de um espírito humanístico idealista. Quem tenta lhe abrir os olhos é o então presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, amigo e admirador de Humboldt. Os dois viriam a trocar uma serie de correspondências, tendo Humboldt auxiliado o amigo inclusive em questões territoriais sobre fronteiras, entre outras coisas.
Ainda na América, um dos ápices da viagem, em termos de descobertas científicas, foi a constatação da corrente do Pacífico Sul e os efeitos dela ocasionados.

Contribuições à constituição inicial da Geografia como ramo científico
Eu o considero o cientista mais importante que encontrei” – Thomas Jefferson
Na visão de La Blache, temos um Humboldt preocupado com a coordenação e a classificação dos fatos, em que a conexão dos fatos é mais importante do que o fato em si, mesmo que seja algo novo. Humboldt lança diversas bases para a geografia física, como em climatologia (termo provavelmente de sua autoria), botânica, orografia, oceanografia, geologia, etc.; alem disso, traz para a geografia fatores pouco explorados que agem sobre as populações, como a estatística, a economia política, a pesquisa da origem das línguas e das migrações humanas.
É importante levar em conta a consideração de Capel (2007) quanto a Humboldt buscar identificar e compreender as relações aparentemente desconexas dos fenômenos, cuja conexão não pode ser deduzida de um sistema taxonômico.
Em Humboldt já há uma perspectiva a formulação de leis terrestres e da interligação entre os diversos fenômenos. O método comparativo que permite generalizações universais e a perspectiva histórica de evolução, em detrimento de uma natureza imutável, são as maiores contribuições de Humboldt para a ciência na visão de Capel.
De Shelling ficam em Humboldt características de uma natureza orgânica, ligada a alguns pressupostos vitalistas de impulso vital, que mantém no prussiano elementos do transcendental, apesar de sua forte relação com a empiria e a busca de explicação dos fenômenos de forma precisa  (como vimos no caso do lago assombrado por espíritos na América, o qual Humboldt desmistifica). A parte estética, como observamos, pode ser atribuída a influencias de Schiller, sendo possível atribuir também influencias kantianas, como a aceitação da distinção entre “sistemas da natureza” e “descrições da natureza”.
A ciência humboldtiana, que se estendeu para alem do próprio Humboldt, traz o empirismo baconiano, muito presente no modelo cientifico do século XIX, e a preocupação com a mensuração precisa dos fenômenos, para aí proceder em generalizações, formulando leis, trabalhando com o que o prussiano denominava “física terrestre”.
Humboldt não se considerava um explorador, mas sim um viajante científico que media com precisão o que os exploradores tinham relatado incorretamente. A real busca é a interconexão dos fenômenos naturais, sua forma de sistematização, é por meio de leis matemáticas, gráficos, tabelas e mapas.
Ainda para Capel, existe fortemente em Humboldt a ideia de “harmonia”, que, aliada à sua estada em Freiberg e aos seus estudos de Geognosia, provavelmente levou à ideia de “harmonia da natureza”, e de que essa poderia ser empiricamente demonstrada. Esse é o grande projeto humboldtiano, um todo harmonioso, com partes intimamente relacionadas e, movido por forças internas, tudo passível de uma concepção idealista empiricamente demonstrável.
Paul Claval atenta para o fato de que a postura de Humboldt em não se ater somente à justaposição dos fenômenos, e sim na procura das propriedades globais dos conjuntos, aliado à sua base empírica de campo e um entendimento da diferenciação regional da terra, partindo das reflexões de Kant, fez que, como naturalista, introduzisse um conceito base para a Geografia moderna: o de meio.
A América pode ser considerada o grande laboratório vivo, onde o extraordinário conhecimento teórico de Humboldt pode ser colocado na prática com grande vigor, gerando inúmeros trabalhos e descobertas que contribuíram para a constituição inicial do saber geográfico. O prussiano compilaria diversos dados gerando cartas, mapas, gráficos e esquemas, constituindo o que seria o primeiro atlas temático em que se caracteriza um continente que não fosse a Europa, presente que foi dado ao amigo Thomas Jeferson.
A diversidade de economias e prosperidade dos locais visitados fez com que Humboldt realizasse estudos regionais comparativos, reforçados também pela diversidade do relevo, do clima e da vegetação.
Contribuiria sobremaneira para com a climatologia, dividindo as terras quentes, frias e temperadas, com base no conhecimento local dos habitantes da America.
De visão arrojada, também notaria em um dos volumes a necessidade de uma ligação entre o Atlântico e o Pacifico, sendo o pai intelectual do canal do Panamá.
Humboldt trabalha no volume de Cosmos de maneira inicial e próxima ao que viria a ser a Geografia descritiva tradicional, e trabalha o elemento paisagem como retrato e ligação entre o observador e objeto, por meio da arte (pintura). O estudo da paisagem em Cosmos é um desdobramento de suas preocupações iniciais com a ideia de natureza.

Argumentações, críticas e considerações finais
É ainda corrente que o ideário de que Humboldt seria o grande expedicionário europeu que viria a descobrir o intocado continente americano. Pode ser considerado o descobridor científico da America do Sul. Vale ressaltar que na América Espanhola já havia estudos, e que uma rede de pesquisa em universidades e centros especializados se constituiria logo no primeiro século de colonização, como a Universidade do México que data de 1551, fazendo parte de uma estratégia de ocupação planejada da metrópole europeia em conhecer sua colônia para dela poder extrair os recursos.
Não se pode de maneira alguma descartar a genialidade de Humboldt em analisar o cenário que vivenciou, especialmente na América.
Como grande pesquisador, reconhecido e reverenciado mundialmente com trabalhos de impacto, seria incomum acreditar que Humboldt estaria a salvo de criticas e das analises posteriores da historia sobre a ocorrência dos fatos em seu tempo.
Por todas as referencias que vêm à luz nos estudos de Humboldt, muitas vezes de trabalhos relegados ao esquecimento, ou pouco valorizados, Diener (2001) exemplarmente coloca que “podemos afirmar que um dos grandes descobrimentos da sua viagem consistirá, precisamente, em dar a valoração que merece à literatura científica da Espanha e América Espanhola”.
Berghaus, ao organizar o atlas mundial, batiza a corrente fria do Pacífico Sul de “Corrente Humboldt” em homenagem ao seu descobridor. Mas Humboldt achou a atitude exagerada alegando que ele apenas trouxe a tona o assunto sendo a corrente já conhecida a 300 anos por pescadores.
Vemos nesse fato o prussiano em uma atitude completamente modesta, que se assemelha a um Humboldt catalogador, que ligou conhecimentos já existentes para propor uma nova ideia.
Se conferir seu nome ao fenômeno pode ser considerada uma homenagem extremada por Humboldt, e se esse vê com modéstia sua descoberta com base em relatos existentes, não se pode deixar de constatar que esse homem, preocupado em fazer grandes compilações, com um conhecimento enciclopédico, não se ateve apenas a reproduzir, mas mostrou articular tudo isso para propor teorias explicativas. Talvez aí resida uma das maiores contribuições de Humboldt, não em descobrir explicações para fenômenos, medir com precisão locais a partir de conhecimentos astronômicos, mas sim em coadunar compilações para ousar em propor algo novo. Reside aí, talvez, o espírito que caracteriza os grandes homens da ciência. 
Fichado por Kelly Leão

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