Contemporaneidade, Educação e Tecnologia
Antonio
Flavio Barbosa Moreira
Sonia
Kramer
Introdução
A globalização
tem afetado o modo de estruturar a educação escolar e desenvolver o trabalho
docente. Implicada nesse processo (...) está a revolução
científico-tecnológica, cujos reflexos também de notam nas salas de aula
(Barreto, 2002). Pág. 02
(...) Qualidade
na educação passa a corresponder ao emprego, nem sempre criativo e eficiente,
de recursos tecnológicos que promoveriam a atratividade dos ensinamentos
“oferecidos” aos alunos ou por eles apreendidos sem uma interferência
significativa do∕a professor∕a. Pág. 02
O
Processo de Globalização e Seus Efeitos na Educação
Entendendo-se a
globalização como um fenômeno multifacetado, com dimensões econômicas, sociais,
políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de forma complexa
(Sousa Santos, 2002), vale examinar que consequências tal processo provoca na
educação. Em primeiro lugar, as modificações na esfera do trabalho ... se
refletem no redimensionamento do trabalho pedagógico. Pág. 04
Na educação, o
comportamento flexível é tanto demandado dos professores quanto difundido, como
habilidade a ser adquirida, aos estudantes, futuros trabalhadores. (...)
Deseja-se um professor disposto a correr riscos e a investir em sua
atualização. Pág. 05
Em segundo lugar
(...) o pensamento empresarial parece contaminar os movimentos de reforma,
objetivando estruturar as escolas conforme o modelo das corporações
contemporâneas. Pág. 05
A escola é
concebida como um negócio, a inteligência é reduzida a instrumento para o
alcance de um dado fim e o currículo é restrito aos conhecimentos e às
habilidades empregáveis no setor corporativo. Pág. 05
Em terceiro
lugar, busca-se a homogeneização cultural, em inúmeros países, com o recurso ao
estabelecimento do conhecimento oficial. O que conta como conhecimento legítimo
e o direito de determiná-lo definem-se com base em uma complexa política de
controle simbólico do conhecimento público (Apple, 1993). Em algum nível
governamental, situam-se os encarregados de criar uma “tradição seletiva” no
país e de formar “a própria consciência da sociedade”. Pág. 05
(...) o
conhecimento oficial acaba correspondendo a um conhecimento negociado, filtrado
através de um intrincado conjunto de telas e decisões políticas. (...)
Elementos de homogeneização e de diferenciação terminam por coexistir, em meio
a atritos e tensões. Pág. 06
Em quarto lugar,
louvam-se, no discurso pedagógico, as tecnologias da informação e da
comunicação (TIC). Pág. 06
Atribuem-se
múltiplos sentidos à presença das TIC no ensino, vistas como contribuindo para
que: se superem os limites das “velhas tecnologias”; se solucionem problemas
pedagógicos com que o professor se depara; ou, ainda, se enfrentem questões
sociais mais amplas. É como se as TIC fossem dotadas de poder miraculoso. Nessa
perspectiva, deixam de ser vistas como fontes de transformações que
consolidariam a sociedade da informação
ou do conhecimento. Pág. 06
(...) Não se
pode negligenciar a presença, na sociedade, de distintas formas de diversidade
cultural. Se algumas são antigas, como a que resulta da religião, outras se
associam à modernidade, como as diferenças existentes entre classes sociais
relacionadas à industrialização. Nesse sentido, o caráter democrático de uma
sociedade do conhecimento requer políticas públicas internacionais, nas quais
se encontrem numerosas línguas, etnias e culturas, bem como condições discursivas
e contextuais que favoreçam a preservação e o aprofundamento de variadas
tradições de conhecimento. Pág. 06 e 07
(...) A expansão uniformizada de aparatos tecnológicos
não elimina a diversidade das relações sociais entre indivíduos, assim como as
relações desses indivíduos com o conhecimento, com o dinheiro e com seus
corpos. Tampouco propicia o desaparecimento de desigualdades econômicas. Pág.
07
Em quinto lugar,
o esforço para padronizar os processos educativos é acompanhado por
resistências, adaptações e interpretações locais comprometidas com valores não
hegemônicos, como por exemplo, a defesa da escola publica. Pág. 07
(...) Parece
haver espaço para que, nas práticas pedagógicas, se escolham objetivos e
procedimentos, oriundos “de baixo”, dos grupos subalternizados, excluídos e
marginalizados, que desestabilizem os processos hegemônicos. Pode também haver
espaço para que se desafiem os modos usuais de prescrição de políticas e de
promoção de mudanças nos sistemas educacionais. Pág. 07
Sobre
Qualidade e Relevância na Educação
Algumas visões
de educação de qualidade ... priorizam: desempenho satisfatório em exames
nacionais; domínio de conhecimentos, habilidades e competências que se
estabeleçam previamente; emprego de tecnologias avançadas; supervalorização da
competitividade e da produtividade; novos métodos de gerenciamento de sistemas
e instituições educacionais; procedimentos integrados e flexíveis no trabalho
pedagógico. (...) Todavia, não se ultrapassa o nível instrumental quando a
noção de qualidade se funda apenas em pressupostos técnicos e se distancia dos
juízos de valor, do compromisso com a justiça social, bem como das ações e dos
interesses dos sujeitos que concretamente a define e adota. Pág. 07 e 08
O conceito de
qualidade é historicamente produzido, não cabendo, portanto, pensa-lo em termos
absolutos. (...) Trata-se, em síntese, de concepção formulada com base em um
arbitrário sócio cultural e norteada por demandas distintas e mutáveis (Franco,
1992). Pág. 08
(...) Avalos
(1992) que se concentra na realidade do Terceiro Mundo ... discute qualidade do
ponto de vista do desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade. Uma educação
de qualidade, ao seu ver, capacita o indivíduo a se mover da situação de viver
restritamente seu cotidiano, para tornar-se ativo na mudança de seu ambiente.
Pág. 08
O conhecimento
escolar apropriado é o que possibilita ao estudante tanto um bom desempenho no
mundo imediato quanto a analise e a transcendência de seu universo cultural.
Pág. 08
(...) Educar
envolve o respeito, a critica e a ampliação de horizontes e de tradições
culturais. (...) sugere, então, conteúdos e experiências escolares que
concorram para formar sujeitos autônomos, críticos e criativos, capazes de
compreender como as coisas são, como assim se tornaram e como podem ser
transformadas por ações humanas (Avalos, 1992). Pág. 09
Garantir uma
escolarização consistente com o direito à educação requer diagnosticar o
sistema, definir as mudanças prioritárias e viáveis, assim como oportunizar
financiamentos que acelerem as mudanças. Pág. 09
(...) é
indispensável ... analisar a influencia de fatores como o capital econômico e o
capital cultural das famílias e dos alunos. Em resumo, é preciso considerar, na
análise da qualidade, tanto fatores externos à escola, quanto fatores
específicos à essa instituição. Pág. 09
O baixo nível
cultural e socioeconômico do aluno pode levar o professor a apresentar baixas
expectativas, em relação ao seu desempenho. Ainda: em decorrência de suas expectativas,
os professores tendem a interagir de modos distintos com os alunos. O resultado
é um menor numero de oportunidades, na escola, para os alunos, sobre os quais
as expectativas são inferiores. Pág. 09 e 10
A promoção de
uma educação de qualidade depende de mudanças profundas na sociedade, nos
sistemas educacionais e na escola. Nesses dois últimos, exigem-se: condições
adequadas ao trabalho pedagógico; conhecimentos e habilidades relevantes;
estratégias e tecnologias que favoreçam o ensinar e o aprender; procedimentos
de avaliação que subsidiem o planejamento e o aperfeiçoamento das atividades
pedagógicas; formas democráticas de gestão da escola; colaboração de diferentes
indivíduos e grupos; diálogo com experiências não formais de educação; docentes
bem formados (que reconheçam o potencial do aluno e que concebam a educação
como um direito e um bem social). Pág. 10
Uma concepção
renovada de qualidade, inclui a crença tanto em uma escola reformulada e
ampliada, quanto em uma ordem social menos desigual e excludente. Pág. 10
Sobre
Tecnologia e Escola
(...) Lyotard
(1998) concebe, na sociedade do conhecimento, o pós-modernos como o fim das
narrativas empolgantes, substituídas por narrativas modestas. No mercado
mundial, as desigualdades são agravadas, inclusive pelo desenvolvimento das
tecnologias. Já Baudrillard (1993, 1995) denuncia os simulacros e o êxtase da
comunicação, em uma hiper-realidade onde não há mais originais: a imagem do
individuo – um terminal de redes múltiplas – é a imagem do desespero. A cultura
é extinta pela mídia. Pág. 12
Numa linha
otimista, Lévy (1993, 1999) entende a informática como tecnologia intelectual
que engendra novo modo de pensar o mundo, de entender a aprendizagem e as
relações com esse mundo. Pág. 12
Fim da cultura, morte
da comunicação, desespero ou possibilidade? Para além do pessimismo ou do
otimismo, o que parece mais perigoso é a renuncia ao reconhecimento de que há
mudanças e novos aparatos tecnológicos que formam e informam uma geração. A
exclusão educacional se articula com mecanismos de discriminação social,
racial, sexual e regional, o que constitui ponto de partida para um debate
consequente sobre a tecnologia (Ramal, 2002). Ou seja, ao lado da incorporação
da tecnologia, cabe questionar o modelo de sociedade que se quer construir.
Pág. 12
Ramal
propõe três cenários para a educação no que se refere à tecnologia. O primeiro
é o da tecnocracia domesticadora: a
multiplicidade de informações efêmeras e fragmentadas torna os indivíduos
escravos ambulantes da tecnologia. A escola é substituída por outras
modalidades de instrução. O segundo é o do pay-per-learn,
que acentua a exclusão (...). Há educação para todos, pela rede, ainda que os
alunos privilegiados frequentem escolas melhor equipadas. No terceiro cenário –
cibereducação integradora -, a escola
se torna hibrida, integrando homem e tecnologia. O homem se educa criticando e
transformando o meio, tendo em vista critérios que promovam sua humanidade, num
processo que Ramal identifica como tecnologias
da liberdade. Pág. 12 e 13
Discussões
sobre as tecnologias ... precisam considerar as formas de apropriação dos meios
digitais por crianças e jovens. Pág. 13
(...)
as novas tecnologias (o computador em particular a internet), alterando as
condições e os meios, ampliam o acesso à leitura e modificam as formas de
produção da escrita (Chartier). De um lado, a mídia favorece maior número de
leitores e de escritores e as tecnologias atuam no sentido da democratização e
da inclusão e não apenas da discriminação e da exclusão. Pág. 13 e 14
(de
acordo com Chartier, a produção de livros tem sido ofuscada pela produção de
textos, que podem ser agregados á publicações de acordo com o intuito do
editor, mas põe em cheque a confiabilidade da escrita, essa seria a maior
transformação nos modos de produção da escrita e praticas de leitura)
Qualidade na Formação: Desafios Para Professores e Gestores
(...)
O trabalho high tech ... também agrava a degradação das relações, acentua a
alienação, a indiferença e a falta de identificação com o trabalho. Pág. 14 e
15
(...)
É possível formar pessoas na perspectiva de construir solidariedade, autonomia
e respeito mútuo em sociedades onde inveja, talento e velocidade de produção
individual são a meta? Pág. 16
Compreender
– estabelecer diálogo – é desafio nos mais variados planos de produção humana,
seja em relação ao conhecimento, à arte ou
à vida cotidiana (...). No que diz respeito à atuação dos professores,
gestores e pesquisadores do campo educacional, em relação aos três planos – o
cognitivo, o estético e o agir ético – cabe: (a) responsabilidade, o que
significa assumir, como intelectuais, papel ativo na compreensão dos processos
implicados na educação e na escola, bem como dos fenômenos sociais
contemporâneos em sua complexidade, e (b) responsividade, o que significa
catalisar a capacidade de dar respostas, ainda que provisórias , e delinear ou
propor discursos e percursos alternativos para uma educação de qualidade.
Responsabilidade e responsividade com relação à educação, entendendo
professores e gestores como intelectuais, demandam repensar s processos de
formação desses profissionais. Pág. 17
Conceber
professores e gestores como intelectuais contribui para repensar a escola, a
formação e a tecnologia, de modo que a construção de narrativas das historias
de vida seja o objetivo. Permite que novos conhecimentos (adquiridos ou
construídos) se enraízem nas trajetórias vividas. Ao fazê-lo, concorre para que
a vida se torne legível, compreensível, percebida na sua dimensão de longo
prazo, em que é possível conhecer e reconhecer o outro e, portanto, é possível
o sentimento de “nós”. Induz, também, a tecnologia ... a tornar-se instrumento
de narração e de estruturação de grupos e projetos. Pág. 17
A Título de Considerações Finais
O
presente texto refletiu sobre a escola, a tecnologia e a formação de
professores no mundo contemporâneo. Enfatizou a necessidade de rever e reverter
práticas em que os professores se tornam subordinados a métodos, discursos
oficiais, receituários pedagógicos ou equipamentos tecnológicos. Ressalte-se a
importância de que a profissionalização docente se consolide, de um lado, com
ganhos reais em termos de planos de carreira e salários e de outro, com uma
formação intelectual, entendida como formação cultural e cientifica, Trata-se
de assumir responsabilidade social perante gerações de crianças, jovens e
adultos sistematicamente expropriados de seus direitos. Para tanto, destinação
de recursos públicos, ética, vontade política e respeito à liberdade continuam
fundamentais. Pág. 18
Numa
conjuntura econômica e política, em que a transformação no mundo do trabalho e
o desemprego agravam a estrutura social, marcada por desigualdade e injustiça
social, processos de formação alternativos podem desencadear mudanças voltadas
para a emancipação. A tecnologia pode ser um instrumento a serviço ou contra
esse projeto. Pág. 18
Nesse
texto, foram analisados desafios para os quais não se encontram ainda,
respostas definitivas. No entanto, em uma perspectiva crítica, formular
perguntas é uma das ações mais importantes da condição humana. Pág. 19
Referência Bibliográfica
Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 –
Especial, p. 1037 – 1057, out. 2007
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