GLOBALIZAÇÃO, REGIONALIZAÇÃO E PODER
I A ERA DO GLOBALISMO
O globalismo por ser uma configuração histórico-social
abrangente acaba por recriar ou reafirmar os localismos, regionalismos,
nacionalismos, imperialismos, etc...
O globalismo pode ser visto como uma configuração no âmbito
da qual se movem os indivíduos e as coletividades, as nações e as
nacionalidades, compreendendo grupos sociais, povos, tribos, clãs e etnias, com
suas formas sociais de vida e trabalho, com suas instituições, seus padrões e
seus valores. Juntamente com as peculiaridades de cada coletividade, nação ou
nacionalidade, com suas tradições ou identidades, manifestam-se as
configurações e os movimentos do globalismo. São realidades sociais,
econômicas, políticas e culturais que emergem e se dinamizam com a globalização
do mundo, ou a formação da sociedade global.
Na base do globalismo está o capitalismo.
Ocorre que o globalismo é um produto de múltiplos processos
sociais, econômicos, políticos e culturais, em geral sintetizados no conceito
de globalização. Resulta de um jogo complexo de forças atuando em diferentes
níveis da realidade, em âmbito local, nacional, regional e mundial. Algumas
dessas forças emergem com o nascimento do capitalismo, enquanto outras surgem
com colonialismo e o imperialismo, compreendendo a formação de monopólios e
corporações.
São desenhados novos mapas do mundo.
Abalam-se os quadros sociais e mentais de referencia, gerando
impasses e aflições, ou crises e conflitos tanto quanto perspectivas e
horizontes.
Inicia-se um outro ciclo da historia, talvez mais universal
que os outros, cenário espetacular de outras forças e outras lutas sociais.
Em poucas décadas, logo se revela que o capitalismo se tornou
um modo de produção global. Está presente em todas as nações e nacionalidades,
independente de seus regimes políticos e de suas tradições culturais ou
civilizatórias. Aos poucos, ou de repente, as forças produtivas e as relações
de produção organizadas em moldes capitalistas generalizam-se pelo mundo. Alcançam não só as tribos e os clãs, as nações
e nacionalidades, mas também, países nos quais havia se instalado o regime
socialista ou a economia centralmente planificada.
Em todos os países que se declaravam socialistas assim como
nos que continuam a declarar-se, ocorrem inversões de capitais e inovações
tecnológicas promovidas por corporações transnacionais e associações de
transnacionais com empresas nacionais estatais. Simultaneamente, realizam-se
reformas institucionais, compreendendo a desestatização das empresas, a
desregulação da economia, a mudança da legislação trabalhista e a abertura dos
mercados.
O capitalismo cria e recria as fronteiras de expansão de suas
forças produtivas e relações de produção. (...) Aos poucos, ou de repente, o
consumismo se intensifica, transfigurando expectativas e comportamentos.
Sim, o capitalismo se apresenta como um modo de produção e um
processo civilizatório. Alem de desenvolver e mundializar as suas forças
produtivas e suas relações de produção, desenvolve e mundializa instituições,
padrões e valores sócio-culturais, formas de agir, sentir, pensar e imaginar.
O que ocorre no fim do séc. XX, com o desenvolvimento
intensivo e extensivo do capitalismo pelo mundo, abrindo ou reabrindo
fronteiras, é a emergência d uma configuração geo-histórica original, dotada de
peculiaridades especiais e de movimentos próprios, que se pode denominar
global, globalizante, globalizada ou globalismo. Trata-se de uma realidade
social, econômica, política e cultural de âmbito transnacional. Pode recobrir,
impregnar, mutilar ou recriar as mais diversas formas de nacionalismos, assim
como de localismos, regionalismos, internacionalismos, colonialismos,
imperialismos, etc. Nem sempre anula o que existe, mas em geral modifica o
significado do que preexiste. O globalismo modifica as condições e as
possibilidades de espaço e tempo que se haviam construído e codificado com base
no parâmetro geo-histórico e mental representado pelo nacionalismo.
Desterritorializam-se o reterritorializam-se em outros lugares, em outras
durações, as coisas, as gentes e as ideias. Também assim, se transforma o mapa
do mundo, não só o que pode estar na geografia e na historia, mas também o que
pode estar nas mentes e nos corações.
De um momento para o outro, torna-se difícil manter as noções
de primeiro, segundo e terceiro mundos. Simultaneamente, reduzem-se as
distancias e as diferenças entre Ocidente e Oriente, tanto no nível imaginário
como das relações, processos e estruturas que neles predominam.
São muitas as dúvidas sobre os significados, as tendências e
as implicações. (...) São muitos os que alegam que o globalismo é uma
manifestação do imperialismo desta ou daquela nação mais poderosa por meio de
suas empresas, corporações ou conglomerados. Esquecem-se que as transnacionais
desenraizam-se progressivamente, planejando e concretizando as suas atividades
em termos de geoeconomias próprias,
muitas vezes, alheias as peculiaridades e idiossincrasias de governos
nacionais.
O neoliberalismo é das correntes de opinião publica que
parece predominante nos anos pós guerra fria. (mas não é a única e, da mesma
forma que uma ideologia se produz no movimento do todo social, este movimento
também abriga antagônicas ideologias.) O que ocorre a séculos no âmbito da
sociedade nacional evidentemente também ocorre no âmbito da sociedade global,
ainda que em outros termos, quando se manifestam obsolescências, ressurgências
e novas tendências.
O globalismo leva consigo tendências de homogeneização,
simultaneamente a criação e ao agravamento de problemas sociais. (...) Sim, o
globalismo é problemático e contraditório. Engendra e dinamiza relações,
processos e estruturas de dominação e apropriação, de integração e fragmentação
pelo mundo afora. Tanto é assim, que provoca tensões, antagonismos, conflitos,
revoluções e guerras ao mesmo tempo que propicia a criação de movimentos
sociais de vários tipos destinados a recuperar, proteger ou desenvolver as
condições de vida e trabalho das mais diversas categorias sociais e minorias.
(...) Também os movimentos sociais empenhados em proteger o meio ambiente ou os
ecossistemas expressam respostas mais ou menos notáveis à algumas das
implicações do globalismo. É no âmbito do globalismo que se redescobre a Terra,
agora como realidade geo-histórica, e não mais como apenas um objeto de
astronomia.
Tudo o que é nacional e regional recebe o impacto da
transnacionalização. Isso significa que os localismos, nacionalismos e
regionalismos tanto se modificam como se reafirmam. (...) Daí as emergências e
as ressurgencias, assim como a recriação de tradições, a reinvenção de
identidades, o rebuscar de alternativas. As fronteiras reais e imaginarias
tanto se dissolvem como se recriam, assim como surgem novas.
Sob todos os aspectos, a sociedade global em formação com o
globalismo se apresenta como um cenário não só problemático, mas contraditório.
Na medida em que se desenvolve com base nas forças produtivas e nas relações
capitalistas de produção, revela-se simultaneamente o cenário de novas forças
sociais e novas formas de lutas sociais.
(...) muito do que ocorre em âmbito local, nacional e
regional tende a estar mais ou menos decisivamente determinado pelas
configurações e pelos movimentos do globalismo.
O globalismo inaugura um novo ciclo da história, quando esta
se movimenta como história universal.
O globalismo tanto desafia nações e as nacionalidades como as
mais diversas correntes teóricas das ciências sociais.
Acontece que a mesma ruptura histórica que constitui o
globalismo revela-se simultaneamente uma ruptura epistemológica. Da mesma forma
que se abalam os quadros sociais de referencia, abalam-se os quadros mentais de
referencia. Abalam-se os significados e as conotações de tempo e espaço, da
geografia e história, do passado e presente. (...) Mais ainda porque a
globalização do mundo esta sendo acelerada pelo desenvolvimento dos meios de
comunicação, compreendendo as condições de informação, interpretação, decisão e
implementação, graças a multiplicação e generalização das tecnologias da
eletrônica. A informática passando pelas telecomunicações, redes e multimídias,
não só influencia decisivamente as condições de produção material e espiritual,
como agiliza a desterritorialização e a miniaturização das coisas, gentes e
ideias. Em poucas décadas, a realidade social, em sentido lato e em âmbito
mundial, tem sido mesclada ou recoberta pelas mais diversas produções de
realidade virtual. ... os indivíduos e
as coletividades, as nações e as nacionalidades, as culturas e as civilizações
parecem distantes e próximas, distintas e semelhantes, presentes e pretéritas,
reais e imaginárias.
Em virtude da nova divisão do trabalho em escala global, os
movimentos das forças produtivas ultrapassam continuamente as fronteiras
nacionais. Em concomitância, as relações de produção ... generalizam-se por
todo o mundo, mesclando-se com as instituições, os padrões e os valores
sociais. (...) Muda o significado do grupo social, da classe social e da
corrente de opinião pública, com a transnacionalização do capitalismo e a
generalização dos meios de comunicação, em geral sob o comando das corporações
transnacionais e das organizações multilaterais. O individuo localiza-se e
movimenta-se simultaneamente em âmbito local, nacional, regional e mundial.
Da mesma maneira que se produz a mercadoria global e circula
uma espécie de dinheiro global, desenvolve-se uma língua global.
É evidente que essa problemática suscita o método
comparativo. São muitas as possibilidades e as urgências da comparação. Esse
tem sido o método por excelência na pesquisa nas ciências sociais, sempre que
esteve ou está em causa a realidade nacional ou o estado-nação. (...) Trata-se
da mais frequente e eficaz modalidade de experimentação possível nessas
ciências.
CORRENTES TEÓRICAS
São principalmente três as teorias que parecem mais
frequentemente mobilizadas para interpretar aspectos muito particulares ou mais
abrangentes do globalismo: a sistêmica, a weberiana e a marxiana.
A teoria sistêmica é a que se encontra mais generalizada,
devido a sua adoção em ambientes universitários e extra-universitários. Esta
bastante presente no ensino e na pesquisa.(...) Fundamenta amplamente
diagnósticos, prognósticos, planos, programas e projetos, compreendendo também
decisões e realizações, em conformidade com as diretrizes de agencias
governamentais, organizações multilaterais e corporações transnacionais. (...)
Os desenvolvimentos da cibernética, traduzidos com frequência em tecnologias eletrônicas
e informáticas, também tem sido mobilizados de modo a aprimorar os requisitos
lógicos e operacionais da teoria sistêmica.
O que predomina nessa teoria é a interpretação sincrônica,
com a qual a realidade é apresentada como um todo orgânico, funcional e
auto-regulado. Baseia-se nas técnicas eletrônicas, compreendendo a informática,
telecomunicação, automação, microeletrônica, robótica, rede, infovia,
multimídia, tudo isso, operando em âmbito local, nacional, regional e mundial,
e servindo à empresa, agencia de governo, mercado, planejamento, escola,
igreja, saude, cultura, publico e audiência. É assim que o complexo e
intrincado real transforma-se em virtual. (...) Se é assim, a interpretação
sistêmica tende a ser predominantemente a histórica.
Sob vários aspectos, a teoria sistêmica fundamenta políticas
de modernização. Isso porque a evolução do sistema pode ser influenciada.
Opera rigorosamente com a noção de todo integrado,
internamente dinâmico, tende ao equilíbrio, à auto-suficiência ou estado de
normalidade. De tal maneira que as disfunções, os desajustes,os desequilíbrios
ou as anomalias são desenvolvimentos que o próprio sistema tende a corrigir,
acomodar ou suprimir.
A teoria weberiana permite interpretar o globalismo em termos
do processo de racionalização do mundo, contemplando simultaneamente as
realidades locais, nacionais e regionais, em suas implicações sociais,
econômicas, políticas e culturais.
Talvez se possa dizer que a racionalização crescente da vida
social seja baseada principalmente na economia e no direito.
Em todos os lugares, tudo se racionaliza formalmente, com
base na calculabilidade econômica e no contrato jurídico, cada vez mais intensa
e generalizante com base nos recursos da ciência e tecnologia.
Globalização do capitalismo e racionalização do mundo andam
de par em par, ainda que em ritmo as vezes desencontrados.
De acordo com a teoria marxiana, sobre a gênese e os
desenvolvimentos do capitalismo, este modo de produção e processo civilizatório
nasce transnacional. (...) A acumulação originaria, compreendendo as grandes
navegações, os descobrimentos, as conquistas, o mercantilismo, a pirataria, o
trafico de escravos, as diversas formas de trabalho forçado, é um processo que
se lança em escala mundial, ainda que polarizado em algumas metrópoles e
colônias. (...) são forças produtivas e relações de produção concretizadas nos
processos de concentração do capital, ou reinversão continuada de ganhos,
lucros ou mais valia; e de centralização do capital, ou a absorção reiterada de
outros capitais e empreendimentos. (...) Concretizam o desenvolvimento desigual
e combinado do capitalismo pelo mundo; e são indispensáveis à inteligência do
globalismo.
A teoria marxiana funda-se no princípio de que a realidade
social é essencialmente dinâmica. É dinâmica, complexa e contraditória. (...)
Ocorre que a mesma dinâmica social que produz identidades e diversidades produz
desigualdades e contradições. Nesse sentido é que essa teoria contempla não só
o movimento, a mudança e a transformação, mas também a ruptura e a
revolução. (...) Tudo isso pode
significar que o globalismo se revela um imenso e fantástico palco de forças e
lutas sociais, algumas das quais, surpreendentes, desconhecidas, carentes de interpretação;
e outras conhecidas ou que se supunham conhecidas, mas que mudaram de
significação.
As teorias são bastante distintas, mas tem em comum a
envergadura de metateorias. Permitem apreender a realidade em níveis micro,
macro e meta. Ajudam a refletir sobre o que é local, nacional, regional e
mundial, seja desagregando cada uma dessas realidades, seja integrando as em
todos cada vez mais amplos, abrangentes.
Na mesma medida em que ele (o globalismo) emerge no âmbito de
uma ruptura histórica de amplas proporções, provoca uma ruptura epistemológica
de serias implicações.
Modificam-se os significados de noções, tais como as de
identidade e alteridade, diversidade e desigualdade, próximo e remoto, presente
e pretérito, Ocidente e Oriente, localismos e nacionalismos, contatos culturais
e tranculturação, territorializado e desterritorializado, sociedade e natureza,
real e virtual, guerra e revolução. (...) O globalismo pode muito bem ser,
simultaneamente, condição e consequência de uma ruptura histórica que se revela
abertamente no fim do século XX, anunciando o século XXI.
De outro modo, o globalismo realmente envolve desafios
epistemológicos. Envolve transformações nos significados e noções de espaço e
de tempo, quantidade, qualidade e outras. (...) Tudo o que parecia distante se
torna próximo, ou mesmo presente; e o que estava aqui mudou de lugar, perdeu
significados, pode ter se tornado estranho ou anacrônico, tanto quanto novo ou
surpreendente. No âmbito do globalismo, algumas categorias básicas da reflexão
cientifica adquirem novos significados, como ocorre com o espaço e tempo,
passado e presente, parte e todo, singular e universal.
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