terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Globalização, regionalização e poder


GLOBALIZAÇÃO, REGIONALIZAÇÃO E PODER
I A ERA DO GLOBALISMO
O globalismo por ser uma configuração histórico-social abrangente acaba por recriar ou reafirmar os localismos, regionalismos, nacionalismos, imperialismos, etc...
O globalismo pode ser visto como uma configuração no âmbito da qual se movem os indivíduos e as coletividades, as nações e as nacionalidades, compreendendo grupos sociais, povos, tribos, clãs e etnias, com suas formas sociais de vida e trabalho, com suas instituições, seus padrões e seus valores. Juntamente com as peculiaridades de cada coletividade, nação ou nacionalidade, com suas tradições ou identidades, manifestam-se as configurações e os movimentos do globalismo. São realidades sociais, econômicas, políticas e culturais que emergem e se dinamizam com a globalização do mundo, ou a formação da sociedade global.
Na base do globalismo está o capitalismo.
Ocorre que o globalismo é um produto de múltiplos processos sociais, econômicos, políticos e culturais, em geral sintetizados no conceito de globalização. Resulta de um jogo complexo de forças atuando em diferentes níveis da realidade, em âmbito local, nacional, regional e mundial. Algumas dessas forças emergem com o nascimento do capitalismo, enquanto outras surgem com colonialismo e o imperialismo, compreendendo a formação de monopólios e corporações.
São desenhados novos mapas do mundo.
Abalam-se os quadros sociais e mentais de referencia, gerando impasses e aflições, ou crises e conflitos tanto quanto perspectivas e horizontes.
Inicia-se um outro ciclo da historia, talvez mais universal que os outros, cenário espetacular de outras forças e outras lutas sociais.
Em poucas décadas, logo se revela que o capitalismo se tornou um modo de produção global. Está presente em todas as nações e nacionalidades, independente de seus regimes políticos e de suas tradições culturais ou civilizatórias. Aos poucos, ou de repente, as forças produtivas e as relações de produção organizadas em moldes capitalistas generalizam-se pelo mundo.  Alcançam não só as tribos e os clãs, as nações e nacionalidades, mas também, países nos quais havia se instalado o regime socialista ou a economia centralmente planificada.
Em todos os países que se declaravam socialistas assim como nos que continuam a declarar-se, ocorrem inversões de capitais e inovações tecnológicas promovidas por corporações transnacionais e associações de transnacionais com empresas nacionais estatais. Simultaneamente, realizam-se reformas institucionais, compreendendo a desestatização das empresas, a desregulação da economia, a mudança da legislação trabalhista e a abertura dos mercados.
O capitalismo cria e recria as fronteiras de expansão de suas forças produtivas e relações de produção. (...) Aos poucos, ou de repente, o consumismo se intensifica, transfigurando expectativas e comportamentos.
Sim, o capitalismo se apresenta como um modo de produção e um processo civilizatório. Alem de desenvolver e mundializar as suas forças produtivas e suas relações de produção, desenvolve e mundializa instituições, padrões e valores sócio-culturais, formas de agir, sentir, pensar e imaginar.
O que ocorre no fim do séc. XX, com o desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo pelo mundo, abrindo ou reabrindo fronteiras, é a emergência d uma configuração geo-histórica original, dotada de peculiaridades especiais e de movimentos próprios, que se pode denominar global, globalizante, globalizada ou globalismo. Trata-se de uma realidade social, econômica, política e cultural de âmbito transnacional. Pode recobrir, impregnar, mutilar ou recriar as mais diversas formas de nacionalismos, assim como de localismos, regionalismos, internacionalismos, colonialismos, imperialismos, etc. Nem sempre anula o que existe, mas em geral modifica o significado do que preexiste. O globalismo modifica as condições e as possibilidades de espaço e tempo que se haviam construído e codificado com base no parâmetro geo-histórico e mental representado pelo nacionalismo. Desterritorializam-se o reterritorializam-se em outros lugares, em outras durações, as coisas, as gentes e as ideias. Também assim, se transforma o mapa do mundo, não só o que pode estar na geografia e na historia, mas também o que pode estar nas mentes e nos corações.
De um momento para o outro, torna-se difícil manter as noções de primeiro, segundo e terceiro mundos. Simultaneamente, reduzem-se as distancias e as diferenças entre Ocidente e Oriente, tanto no nível imaginário como das relações, processos e estruturas que neles predominam.
São muitas as dúvidas sobre os significados, as tendências e as implicações. (...) São muitos os que alegam que o globalismo é uma manifestação do imperialismo desta ou daquela nação mais poderosa por meio de suas empresas, corporações ou conglomerados. Esquecem-se que as transnacionais desenraizam-se progressivamente, planejando e concretizando as suas atividades em termos de geoeconomias próprias,  muitas vezes, alheias as peculiaridades e idiossincrasias de governos nacionais.
O neoliberalismo é das correntes de opinião publica que parece predominante nos anos pós guerra fria. (mas não é a única e, da mesma forma que uma ideologia se produz no movimento do todo social, este movimento também abriga antagônicas ideologias.) O que ocorre a séculos no âmbito da sociedade nacional evidentemente também ocorre no âmbito da sociedade global, ainda que em outros termos, quando se manifestam obsolescências, ressurgências e novas tendências.
O globalismo leva consigo tendências de homogeneização, simultaneamente a criação e ao agravamento de problemas sociais. (...) Sim, o globalismo é problemático e contraditório. Engendra e dinamiza relações, processos e estruturas de dominação e apropriação, de integração e fragmentação pelo mundo afora. Tanto é assim, que provoca tensões, antagonismos, conflitos, revoluções e guerras ao mesmo tempo que propicia a criação de movimentos sociais de vários tipos destinados a recuperar, proteger ou desenvolver as condições de vida e trabalho das mais diversas categorias sociais e minorias. (...) Também os movimentos sociais empenhados em proteger o meio ambiente ou os ecossistemas expressam respostas mais ou menos notáveis à algumas das implicações do globalismo. É no âmbito do globalismo que se redescobre a Terra, agora como realidade geo-histórica, e não mais como apenas um objeto de astronomia.
Tudo o que é nacional e regional recebe o impacto da transnacionalização. Isso significa que os localismos, nacionalismos e regionalismos tanto se modificam como se reafirmam. (...) Daí as emergências e as ressurgencias, assim como a recriação de tradições, a reinvenção de identidades, o rebuscar de alternativas. As fronteiras reais e imaginarias tanto se dissolvem como se recriam, assim como surgem novas.
Sob todos os aspectos, a sociedade global em formação com o globalismo se apresenta como um cenário não só problemático, mas contraditório. Na medida em que se desenvolve com base nas forças produtivas e nas relações capitalistas de produção, revela-se simultaneamente o cenário de novas forças sociais e novas formas de lutas sociais.
(...) muito do que ocorre em âmbito local, nacional e regional tende a estar mais ou menos decisivamente determinado pelas configurações e pelos movimentos do globalismo.
O globalismo inaugura um novo ciclo da história, quando esta se movimenta como história universal.
O globalismo tanto desafia nações e as nacionalidades como as mais diversas correntes teóricas das ciências sociais.
Acontece que a mesma ruptura histórica que constitui o globalismo revela-se simultaneamente uma ruptura epistemológica. Da mesma forma que se abalam os quadros sociais de referencia, abalam-se os quadros mentais de referencia. Abalam-se os significados e as conotações de tempo e espaço, da geografia e história, do passado e presente. (...) Mais ainda porque a globalização do mundo esta sendo acelerada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação, compreendendo as condições de informação, interpretação, decisão e implementação, graças a multiplicação e generalização das tecnologias da eletrônica. A informática passando pelas telecomunicações, redes e multimídias, não só influencia decisivamente as condições de produção material e espiritual, como agiliza a desterritorialização e a miniaturização das coisas, gentes e ideias. Em poucas décadas, a realidade social, em sentido lato e em âmbito mundial, tem sido mesclada ou recoberta pelas mais diversas produções de realidade virtual.  ... os indivíduos e as coletividades, as nações e as nacionalidades, as culturas e as civilizações parecem distantes e próximas, distintas e semelhantes, presentes e pretéritas, reais e imaginárias.
Em virtude da nova divisão do trabalho em escala global, os movimentos das forças produtivas ultrapassam continuamente as fronteiras nacionais. Em concomitância, as relações de produção ... generalizam-se por todo o mundo, mesclando-se com as instituições, os padrões e os valores sociais. (...) Muda o significado do grupo social, da classe social e da corrente de opinião pública, com a transnacionalização do capitalismo e a generalização dos meios de comunicação, em geral sob o comando das corporações transnacionais e das organizações multilaterais. O individuo localiza-se e movimenta-se simultaneamente em âmbito local, nacional, regional e mundial.
Da mesma maneira que se produz a mercadoria global e circula uma espécie de dinheiro global, desenvolve-se uma língua global.
É evidente que essa problemática suscita o método comparativo. São muitas as possibilidades e as urgências da comparação. Esse tem sido o método por excelência na pesquisa nas ciências sociais, sempre que esteve ou está em causa a realidade nacional ou o estado-nação. (...) Trata-se da mais frequente e eficaz modalidade de experimentação possível nessas ciências.
CORRENTES TEÓRICAS
São principalmente três as teorias que parecem mais frequentemente mobilizadas para interpretar aspectos muito particulares ou mais abrangentes do globalismo: a sistêmica, a weberiana e a marxiana.
A teoria sistêmica é a que se encontra mais generalizada, devido a sua adoção em ambientes universitários e extra-universitários. Esta bastante presente no ensino e na pesquisa.(...) Fundamenta amplamente diagnósticos, prognósticos, planos, programas e projetos, compreendendo também decisões e realizações, em conformidade com as diretrizes de agencias governamentais, organizações multilaterais e corporações transnacionais. (...) Os desenvolvimentos da cibernética, traduzidos com frequência em tecnologias eletrônicas e informáticas, também tem sido mobilizados de modo a aprimorar os requisitos lógicos e operacionais da teoria sistêmica.
O que predomina nessa teoria é a interpretação sincrônica, com a qual a realidade é apresentada como um todo orgânico, funcional e auto-regulado. Baseia-se nas técnicas eletrônicas, compreendendo a informática, telecomunicação, automação, microeletrônica, robótica, rede, infovia, multimídia, tudo isso, operando em âmbito local, nacional, regional e mundial, e servindo à empresa, agencia de governo, mercado, planejamento, escola, igreja, saude, cultura, publico e audiência. É assim que o complexo e intrincado real transforma-se em virtual. (...) Se é assim, a interpretação sistêmica tende a ser predominantemente a histórica.
Sob vários aspectos, a teoria sistêmica fundamenta políticas de modernização. Isso porque a evolução do sistema pode ser influenciada.
Opera rigorosamente com a noção de todo integrado, internamente dinâmico, tende ao equilíbrio, à auto-suficiência ou estado de normalidade. De tal maneira que as disfunções, os desajustes,os desequilíbrios ou as anomalias são desenvolvimentos que o próprio sistema tende a corrigir, acomodar ou suprimir.
A teoria weberiana permite interpretar o globalismo em termos do processo de racionalização do mundo, contemplando simultaneamente as realidades locais, nacionais e regionais, em suas implicações sociais, econômicas, políticas e culturais.
Talvez se possa dizer que a racionalização crescente da vida social seja baseada principalmente na economia e no direito.
Em todos os lugares, tudo se racionaliza formalmente, com base na calculabilidade econômica e no contrato jurídico, cada vez mais intensa e generalizante com base nos recursos da ciência e tecnologia.
Globalização do capitalismo e racionalização do mundo andam de par em par, ainda que em ritmo as vezes desencontrados.
De acordo com a teoria marxiana, sobre a gênese e os desenvolvimentos do capitalismo, este modo de produção e processo civilizatório nasce transnacional. (...) A acumulação originaria, compreendendo as grandes navegações, os descobrimentos, as conquistas, o mercantilismo, a pirataria, o trafico de escravos, as diversas formas de trabalho forçado, é um processo que se lança em escala mundial, ainda que polarizado em algumas metrópoles e colônias. (...) são forças produtivas e relações de produção concretizadas nos processos de concentração do capital, ou reinversão continuada de ganhos, lucros ou mais valia; e de centralização do capital, ou a absorção reiterada de outros capitais e empreendimentos. (...) Concretizam o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo pelo mundo; e são indispensáveis à inteligência do globalismo.
A teoria marxiana funda-se no princípio de que a realidade social é essencialmente dinâmica. É dinâmica, complexa e contraditória. (...) Ocorre que a mesma dinâmica social que produz identidades e diversidades produz desigualdades e contradições. Nesse sentido é que essa teoria contempla não só o movimento, a mudança e a transformação, mas também a ruptura e a revolução.  (...) Tudo isso pode significar que o globalismo se revela um imenso e fantástico palco de forças e lutas sociais, algumas das quais, surpreendentes, desconhecidas, carentes de interpretação; e outras conhecidas ou que se supunham conhecidas, mas que mudaram de significação.
As teorias são bastante distintas, mas tem em comum a envergadura de metateorias. Permitem apreender a realidade em níveis micro, macro e meta. Ajudam a refletir sobre o que é local, nacional, regional e mundial, seja desagregando cada uma dessas realidades, seja integrando as em todos cada vez mais amplos, abrangentes.
Na mesma medida em que ele (o globalismo) emerge no âmbito de uma ruptura histórica de amplas proporções, provoca uma ruptura epistemológica de serias implicações.
Modificam-se os significados de noções, tais como as de identidade e alteridade, diversidade e desigualdade, próximo e remoto, presente e pretérito, Ocidente e Oriente, localismos e nacionalismos, contatos culturais e tranculturação, territorializado e desterritorializado, sociedade e natureza, real e virtual, guerra e revolução. (...) O globalismo pode muito bem ser, simultaneamente, condição e consequência de uma ruptura histórica que se revela abertamente no fim do século XX, anunciando o século XXI.
De outro modo, o globalismo realmente envolve desafios epistemológicos. Envolve transformações nos significados e noções de espaço e de tempo, quantidade, qualidade e outras. (...) Tudo o que parecia distante se torna próximo, ou mesmo presente; e o que estava aqui mudou de lugar, perdeu significados, pode ter se tornado estranho ou anacrônico, tanto quanto novo ou surpreendente. No âmbito do globalismo, algumas categorias básicas da reflexão cientifica adquirem novos significados, como ocorre com o espaço e tempo, passado e presente, parte e todo, singular e universal. 

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