A MULTITERRITORIALIDADE DO MUNDO E O
EXEMPLO DA ALQAEDA
Este artigo envolve o debate em torno
da nova organização espacial e da nova regionalização do mundo, estruturada não
pelo fim do território, mas por uma multiterritorialidade que inclui três tipos
de espaços: Territórios-zona,
território-rede e aglomerados de exclusão.
O exemplo da AL Qaeda ilustra bem essa
complexa multiterritorialidade como importante fonte de poder que pode servir
tanto para o terrorismo internacional quanto como meio para mobilizações
democráticas.
Novos Processos de Regionalização
O Capitalismo globalizado de
acumulação flexível não provocou a pretendida homogeneização geográfica. Pelo
contrario, sua dinâmica dês-equalizadora combina-se com o reativar de
identidades territoriais mais fechadas e com o reforço de algumas entidades
territoriais nacionais, inclusive no espaço do ex-bloco socialista. Muito mais
do que um processo unilateral de globalização trata-se de uma dinâmica global-fragmentadora
e/ou de globalização.
Fortalecem-se dois processos
incompatíveis com uma regionalização em moldes tradicionais:
Primeiro a crescente globalização (em
rede) dos mais diferentes fenômenos, da ordem econômico-politica às
organizações culturais, dos circuitos legais ou ilegais – o fato destas redes
globais nem sempre estarem claramente conectadas entre si sugere a
possibilidade de uma “regionalização global em rede”.
Segundo a fragmentação a um nível
micro ou local, servindo tanto de “refugio” resistente a globalização quanto
como “microcosmo” dos processos de globalização, já que o capitalismo reproduz
sua dinâmica desigual numa profundidade nunca vista, deslocando relações como
as de centro e periferia para escalas muito menores 9 ou maiores no sentido
cartográfico do termo).
Morin acredita que o mundo dispõe de
um território, de uma mesma economia e mesmo de uma cultura mundial, mas que
não dispõe ainda de “dispositivos essenciais” de “regulação econômica,
política, policial e da biosfera, ou seja, “temos as infra-estruturas mas não
temos as superestruturas."
Massy propõe repensar a região e para
isso sugere uma interessante composição que alia a materialidade do espaço
econômico e as representações regionais e a diferenciação intra-regional e as
continuidades e as descontinuidades espaciais, onde interessam-se mais os tipos
de ligações do que os tipos de fronteiras. “dificilmente a região terá,
coerentemente integrados, aspectos diversos como atividades econômicas,
aspectos de cultura, estilos de vida e classe.”
Desta forma, regionalizar significa
encontra determinadas coerências ou coesões que não excluem outras e admitem
também a existência de vazios.
Territórios-zona,
território-rede e aglomerados de exclusão
Ao invés de uma regionalização baseada
num único padrão de organização do espaço, em termos de superfície ou áreas,
introduzimos assim uma visão múltipla, envolvendo uma lógica espacial ou zonal,
onde se forjam territórios tradicionais ou territórios-zona; uma lógica
reticular composta por redes ou territórios-rede, e uma lógica sócio-espacial
mais complexa, mal definida, constituídas pelos aglomerados de exclusão.
Raffestin afirma que o território é
composto de três invariáveis básicas os nos, as malhas ou tecidos e as redes,
cujo domínio varia conforme o período histórico que estivermos analisando.
O que haveria de “novo” hoje são:
Territórios-zona:
mais tradicionais,
prevalecentes na lógica política, especialmente no principio territorial que
rege os Estados-nações.
Territórios-rede:
majoritário na lógica
econômica das grandes corporações globais.
E aglomerados de exclusão: espaços representativos da lógica
excludente que relega muitas áreas do planeta a uma espécie de desordem
sócio-espacial. Manifestam-se tanto de forma muito fragmentada, quanto de forma
continua, em áreas maiores.
Embora territórios-zona e
territórios-rede geralmente se sobreponham, sua representação espacial é mais
nítida do que a dos aglomerados de exclusão.
A
multiterritorialidade
Vivemos muito mais do que o domínio da
desterritorialização, a construção de territórios múltiplos e a possibilidade
de vivenciar uma multiterritorialidade. Territórios múltiplos seria o termo
mais adequado para indicar a convivência, lado a lado, hoje, de diferentes
lógicas de territorialização, enquanto multiterritorialidade seria mais
apropriado para dar conta da sobreposição de lógicas territoriais, seja no
interior de uma mesma escala geográfica, seja pela sobreposição de lógicas
territoriais que ocorrem em escalas distintas.
Assim a multiterritirialidade se
realizaria tanto na sua forma “passiva”, permitindo a partir de um mesmo local
o adicionar de múltiplas escalas territoriais, quanto na sua forma “ativa”, com
o deslocamento físico extremamente facilitado para quem tem acesso permanente
aos meios de transporte mais rápidos. Tudo isso, é claro, facilitado graças ao
acesso aos pontos de conexão às redes dos circuitos globalizados. O que
distingue mais claramente este caráter entre uma multiterritorialidade “ativa”
e “passiva” é a condição de classe de quem dela participa: “pobre ou
capitalista”.
“Territórios múltiplos” podem ser
desdobrado em diferentes tipos de territorialidade, dependendo da sua abertura
para o exterior. Entre territórios-clausura muito mais arraigados e de
fronteiras mais fechadas; territórios constringentes, capazes de impor certas
resistências a penetração de fluxos mais amplos; e territórios suporte ou
territórios-rede, quando servem basicamente como patamar subordinados a
interesses extremos, sustentando ou fortalecendo as redes da divisão social do
trabalho.
Uma outra distinção foi a que fizemos
em Haesbaert, onde identificamos quatro tipos principais de territorialidade ou
de processos de territorialização:
a.
Territorializações
mais tradicionais e exclusivitista, que
não admitem sobreposições de jurisdições e defendem maior homogeneidade
interna.
b.
Territorializações
fechadas, ligadas aos territorialismos, que não admitem nenhuma pluralidade de
poderes e identidades culturais.
c.
Territorializações
mais flexíveis, que admitem ora a sobreposição (ou a multifuncionalidade)
territorial, ora a intercalação de territórios.
d.
Territorializações
efetivamente múltiplas, resultante da sobreposição de funções e controles, como
nas novas formas de gestão muti-escalares em que começam a se conjugar níveis
locais, regionais, nacionais, mega-regionais e globais.
Os dois primeiros casos dominam a
concepção de territórios-zona e os outros dois se aproximam da concepção de
territórios-rede.
A
multiterritorialidade da organização Al Qaeda
No nosso ponto de vista, grande parte
da eficácia da organização terrorista Al Qaeda, deve-se ao fato de ala saber
usufruir, ao mesmo tempo, da multiterritorialidade e dos múltiplos territórios
vigentes na atualidade. Estes grupos mobilizavam seus membros através de
“células” espalhadas por quase todo o mundo.
Algumas características centrais da
atuação Al Qaeda demonstram bem como ela incorpora traços muito atuais da
territorialidade, além da flexibilidade e da multifuncionalidade acima citadas.
Sabe-se que nunca, como hoje, o território incorporou uma dimensão simbólica.
Outra característica contemporânea
muito evidente na construção da territorialidade é o domínio dos
territórios-rede, que permitem muito maior mobilidade e flexibilidade, onde o
controle sobre as pessoas se dá muito mais pelo controle de pontos estratégicos
que conectam redes do que pelo domínio de grandes áreas ou zonas. A Al Qaeda
tem como estrutura básica células ancoradas em pontos-chaves em diversos países
do mundo.
Pelo seu caráter muito mais difuso,
fragmentado e descontinuo (mais não desarticulado) no espaço geográfico, o
terrorismo constitui um dos âmbitos “ilegais” mais perversos da globalização, e
seu produto direto. Embora também possa surgir em áreas centrais do capitalismo
mundial, é nas áreas mais pobres e excluídas que a rede do terrorismo com
fundamentação religiosa pode ser legitimada.
A territorialidade se caracteriza hoje
pela sobre/superposição de vários tipos de território ou pela possibilidade de
adicionar estas varias modalidades.
A rede terrorista faz uso também das
articulações possíveis entre múltiplas escalas/múltiplos territórios. Trata-se
uma organização muito bem estruturada, com uma estratégia territorial bem
montada em termos de um território-rede, mas que de algum modo funcionam
alheias às outras formas de organização territorial, ora se conjugando com
Estados-nações, ora como poderes locais, ora com redes globais.
É pela capacidade de conectar estes
elementos, ativando e retirando de cada um o que lhe é mais vantajoso,que o
megaterrorismo consegue tanto êxito. Seus adeptos são capazes de utilizar, ao
mesmo tempo, tantos os meios colocados à sua disposição pela nova geografia da
“sociedade em rede” quando da velha geografia dos territórios definidos em
função dos condicionantes físicos do meio.
Consideramos que é preciso redefinir o
que conhecemos como uma experiência do espaço. Isto significa que o território
continua cada vez mais complexo, apresentando-se para cada grupo social e para
cada grupo cultural e para cada classe social com uma configuração diferente,
alguns deles sendo capazes de vivenciar mais plenamente esta complexidade.
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