sábado, 16 de março de 2013

A PROPÓSITO DOS PARADIGMAS DE ORIENTAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS NA GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA



Resumo
Este texto tem como objetivo esboçar uma proposta de leitura metodológica dos principais paradigmas que orientaram a produção do pensamento geográfico no século XX. Para chegar a alguns desdobramentos paradigmáticos na Geografia como, por exemplo, a ênfase no método que ocorre nos anos 80 ultrapassando a preocupação com o objeto, e a consolidação de temas (globalização, modernidade, turismo) ou de tendências teóricas (Geografia Humanista) que se tornam verdadeiros paradigmas.
Introdução
Considerando-se que um paradigma se define, em termos gerais, pelo conjunto de idéias, teorias e doutrinas construídos com a intermediação do método e que caracterizam uma tendência científica, pode-se afirmar que, historicamente, nos últimos cinqüenta anos, houve dois grandes grupos de paradigmas (que discutiremos mais adiante) que foram fundamentais na orientação metodológica da produção do conhecimento geográfico.
Partimos, inicialmente, do pressuposto de que uma teoria pode ter três encaminhamentos . O primeiro deles, aquele que é mais fácil de ser identificado, é a teoria se consolidar e perdurar norteando o pensamento científico por longo tempo. Outro encaminhamento que uma teoria pode ter é a sua superação por outras teorias e/ou paradigmas, mesmo antes que ela se consolide completamente. Finalmente, a terceira opção é a de que a teoria pode ser negligenciada ou esquecida, não se tornando referência universal para estudos científicos, apesar de sua importância na configuração do pensamento.
Os níveis do conhecimento para se abordar os paradigma
Vamos trabalhar com mais detalhes dois grandes grupos paradigmáticos. Um desses grupos, baseado nos fundamentos do neopositivismo, teve a linguagem matemática, a neutralidade da ciência e as temáticas espaciais como suas principais características para a produção do conhecimento científico.  Um outro baseou-se no materialismo histórico como doutrina e na dialética como método e se pautou, ora mais, ora menos explicitamente, pelo engajamento ideológico do pesquisador.
Eles serão analisados considerando-se diferentes níveis do pensamento
– teórico (elaboração de teorias que permitem leituras da realidade);
– epistemológico (baseado na concepção de causalidade, na ciência, para a elaboração das teorias).
Neste último nível, há alguns pressupostos que podem ser identificados em dois grupos, também de diferentes níveis, que são:
– gnosiológico (definido pela concepção que se pretende de objeto e de sujeito e, por conseguinte, de sua relação com o processo de conhecimento);
– ontológico (identificado pela noção de homem, de natureza e de ciência).
Dois grandes grupos paradigmáticos
No nível teórico, o tratamento dos temas depende da definição das variáveis, que podem ser manipuladas em situações experimentais, partindo-se da neutralidade axiológica do método científico e da imparcialidade do pesquisador, com conseqüente harmonia e equilíbrio para os resultados, diferenciando-se a ciência da crítica, ao se controlar a situação, o fenômeno ou a temática/grupo/lugar estudados. Para se obter a informação empírica, recorre-se a técnicas de coleta descritivas ou de análise de conteúdo e se utilizam dados secundários obtidos por questionários e entrevistas, como técnicas de investigação.
No nível epistemológico, o conceito de causa é o eixo da explicação científica por- que a relação causal se explicita no experimento, na sistematização e no controle dos dados através das análises estatísticas posteriores, cuja validação da prova científica é fundamentada nos testes dos instrumentos de coleta e tratamento dos dados, e ainda através dos modelos de sistematização das variáveis e na definição operacional dos termos
(racionalidade técnico-instrumental).
Em termos teóricos, essa tendência caracteriza-se pela tentativa de desvendar conflitos de interesses, pela fundamentação teórica por meio da eleição das categorias de análise e na sua articulação com a realidade estudada, pelo questionamento da visão estática da realidade, por se utilizar apontamentos para o caráter transformador dos fenômenos, relacionado à preocupação com a transformação da realidade estudada e da proposta teórica, procurando sempre o resgate da dimensão histórica dessa realidade, propondo-se as possibilidades de mudanças com base em uma postura marcadamente crítica.
Epistemologicamente, a concepção de causalidade é concebida como inter-relação entre os fenômenos, ou seja, inter-relação do todo com as partes e vice-versa, da tese com a antítese, dos elementos da estrutura econômica com os da superestrutura social, política, jurídica, intelectual etc.
Ontologicamente, concebe-se a realidade (homem, sujeito, objeto, ciência, construção lógica) numa visão dinâmica e conflitiva, por causa das categorias materialistas de conflito e de movimento do ser social. A Natureza e a Sociedade são concebidas como partes de um mesmo movimento, sendo o Homem compreendido enquanto elemento da sociedade e não apenas enquanto indivíduo.
A práxis dos geógrafos segundo cada um dos paradigmas
Outro aspecto importante foi a relação com os estudos empíricos. Se o neopositivismo se respaldou nos modelos matemáticos para a reflexão teórica e abandonou a ciência empírica, o materialismo histórico continuou com forte base empírica, mesmo que tenha negligenciado a cartografia como possibilidade da representação dos fenômenos geográficos.
A Geografia neopositivista, um conhecimento padronizado e repetitivo, sem qualquer compromisso social. O diálogo com outros grupos da sociedade civil só se fez pelo caminho burocrático ou estatal, sem se praticar, na relação sujeito-objeto, o exercício (dedutivo ou indutivo) das relações empírico-teóricas.
Por outro lado, os geógrafos que adotaram a dialética como método, tiveram seu conhecimento produzido, excessivamente carregado pelo discurso, com forte e explícita tendência ideológica, cujas manifestações ocorreram, principalmente, no campo da política. Mesmo tendo preocupações de caráter empírico, muitos geógrafos resvalaram na vertente do discurso repetitivo, procurando nas obras de Marx o único fundamento possível para se explicar a realidade, esquecendo-se que o próprio Marx elaborou suas teorias na perspectiva histórica, de transformação da realidade.
Os desdobramentos dos paradigmas – uma interpretação que exige cuidado
Ao longo do século XX, muitas vezes as orientações temáticas foram se transformando em paradigmas. Uma das orientações que podemos apontar foi a ênfase na discussão da escala por causa da adoção de temas transversais como a globalização e a modernidade. Tendo como base a complexidade social e a afirmação da cidade como ambiente básico nas relações de produção, esses temas foram discutidos principalmente com os sociólogos, mas tiveram várias contribuições de filósofos, antropólogos, arquitetos e historiadores.
Quanto ao tema modernidade, no nível teórico, as histórias de vida e o discurso próprio, com a incorporação da informação a partir da postura do investigador, é a base para se utilizar as técnicas qualitativas, que se realizam por meio da pesquisa participante, de entrevistas, de relatos de vivências, da observação e de práticas alternativas e inovadoras. Em termos epistemológicos, essa tendência, que pode ser também considerada um terceiro grande paradigma da ciência ocidental, pauta-se pela postura crítica de autores da fenomenologia, com interesse em desvendar as características do objeto. A historicidade é ausente nessa tendência, pois há, por parte do pesquisador, uma preocupação que podemos denominar exacrônica.
Em termos ontológicos, concebe-se a realidade (homem, sujeito, objeto, ciência, construção lógica) a partir de uma visão dinâmica, racional e de interação de todos os elementos da realidade (categorias racionais de conflito e complementaridade), tendo-se como doutrina, por exemplo, o existencialismo. A Natureza comparece como concepção e idéia, apreendidas no processo de conhecer, e o Homem se define enquanto Natureza pensante. Essa tendência, que podemos chamar de fenomenológica, tem sido utilizada, com reconhecida consistência, na Geografia Humanística para a interpretação das manifestações culturais de grupos específicos e do cotidiano urbano.
A modernidade pode ser analisada pelo ângulo da necessidade que, em alguns momentos, a própria consistência dos paradigmas exige dos intelectuais na busca de novas idéias, proposições e fundamentações para tentar ler e explicar a realidade.
A globalização, outra temática que ganhou força nos últimos anos do século XX, se consolida como desdobramento paradigmático por sua importância transversal na produção do conhecimento geográfico. As análises tiveram, mesmo que consideremos que tenha havido algumas interseções interdisciplinares, forte influência do economicismo, ênfase no papel da técnica, análise das transformações nas noções de espaço e tempo, que estão na base, também, da modernidade, estruturação dos sistemas da economia-mundo como paradigma, ou mesmo a logística como catalisador das transformações.
Outra idéia que emerge da análise desses dois temas é a sua relação com o espaço geográfico e suas múltiplas determinações. Quer o espaço seja definido como sistema de objetos e sistemas de ações, quer seja definido como reprodução das relações de produção ou considerando outras referências ontológicas, ele terá sua leitura condicionada pela modernidade ou pela globalização.
Ainda como orientação paradigmática, podemos citar a emergência de outras temáticas, como o turismo, que foi rapidamente incorporado pelos geógrafos, dentro de um pragmatismo que ultrapassou as fronteiras científicas, chegando-se às propostas de intervenção por parte de diferentes atores sociais. Abordado, em grande parte, como solução puramente econômica para áreas economicamente depressivas ou com paisagens atraentes, o turismo deverá ser enfocado, doravante, como uma atividade econômica que propicia a produção e a comercialização de uma mercadoria com diferentes preços e valores culturais: a paisagem.
Por outro lado, a questão ambiental, foi encarada, muitas vezes como a solução para a superação da dicotomia entre Geografia Humana e Geografia Física. No entanto, mais importante, do ponto de vista socioeconômico, esse paradigma deverá merecer atenção dos cientistas por causa das novas concepções sobre os recursos (naturais e humanos) e suas características de esgotabilidade.
Uma mudança para o paradigma das linhas e das redes como forma de ler e interpretar o território pode gerar dúvidas porque, anteriormente, na Geografia, já se falou, por exemplo, em região nodal, definida por um centro predominante, que articularia as relações com outros centros menores, baseando-se em ligações lineares definidas por fluxos de pessoas e mercadorias. Essa noção de região apontava para a sua configuração em áreas definidas pelas ligações lineares, mas também pela constituição de um conjunto de cidades que se dispunham linearmente no território.
Essa mudança vai exigir, necessariamente, novos instrumentos básicos para a elaboração da informação geográfica como, por exemplo, o domínio técnico e a utilização, cada vez mais intensa, dos recursos de informática. O domínio da instrumentalização apontada, que exigirá algumas práticas dos intelectuais, deverá mudar o seu cotidiano, principalmente no que se refere ao seu local de produção (gabinete de trabalho, pesquisas empíricas), ao local de discussão ou disseminação (salas de aula, encontros científicos) e às formas de disseminação das idéias (dos livros em papel para a internet ou o livro virtual).
Outro campo de interesse que poderá exigir muitos estudos é a abordagem do circuito produtivo pelo encadeamento dos momentos de produção, circulação, troca e consumo, superando, definitivamente, os denominados setores primário, secundário e terciário da classificação de Colin Clark, elaborada na década de 1930.
Outra tendência que vai exigindo cada vez mais a atenção dos geógrafos é o fenômeno da migração que ganha importância internacional. Por causa da necessidade de qualificação crescente dos migrantes para o exercício de atividades que vão, aos poucos, selecionando as pessoas qualitativa e quantitativamente, foram se configurando não só novas dimensões de ganhos e rendimentos, mas também se estabelecendo elementos distintos na localização das residências e dos locais de trabalho.
Abrindo outras possibilidades para o debate
Para completar este quadro de mudanças paradigmáticas, pode-se afirmar que, doravante, a Geografia poderá ver sua característica disciplinar tocada, na interface com a História e a Filosofia, pela necessidade de se superar, buscando a produção do conhecimento científico não apenas com temário próprio, mas com base na ciência em sua totalidade, como afirmara Marx: como a Ciência da História.

SPOSITO. E. S. A propósito dos paradigmas de orientações teórico-metodológicas na Geografia contemporânea. Revista Terra Livre, n. 16, p. 99-111. AGB: São Paulo. 2001

Fichamento por Kelly Leão

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