Propõe-se através deste a reflexão sobre a melhoria da escola
pública de ensino fundamental a partir da perspectiva teórica que entende a
escola como instituição social ímpar, pois, ao mesmo tempo em que possui formas
de organização e de funcionamento muito semelhante a qualquer outra escola,
apresenta peculiaridades que lhe são próprias, fruto da sua própria trajetória
histórica.
A escola tem sido tratada como uma instituição abstrata, genérica,
que parece cumprir suas funções de forma homogênea, independente de sua origem
e história.
E que escola é esta hoje?
A ampliação/universalização do acesso ao ensino obrigatório no
país é um fato, pode-se afirmar que, a partir da década de 60, foi se
constituindo uma verdadeira escola de massas.
Esse acesso generalizado à escola fundamental trouxe, é claro,
um problema grave, qual seja, o da ampliação rápida da quantidade de alunos que
passaram a frequentar a escola, que, por falta de uma política educacional que realmente
privilegiasse a qualidade do ensino, foi atendida por meios, sobejamente conhecidos,
que comprometeram o que havia sido construído em termos de qualidade de ensino:1
ampliação do número de turnos diários, ampliação do número de alunos por turma
etc.
Mas, além do impacto do crescimento quantitativo vertiginoso, a universalização
do acesso à escola fundamental permitiu que crianças com condições pessoais,
familiares, culturais e econômicas, que anteriormente eram excluídas por
mecanismos de seletividade, passassem a frequentar a escola; fez aflorar, de
forma incontestável, os problemas da seletividade escolar; e passou a ser objeto
de preocupação tanto dos gestores das políticas quanto dos estudiosos e
pesquisadores da educação nacional.
De forma geral, o fracasso escolar tem permanecido encoberto,
muitas vezes, por formas que são pouco percebidas pelos próprios agentes
educacionais.
Hoje, as crianças permanecem na escola, obtém registros de
progresso escolar (como, por exemplo, a passagem de uma série para outra mais
avançada), mas praticamente nada aprendem. A quantidade de analfabetos
funcionais é a comprovação mais evidente desse processo.
Se é verdade, tal como apontava CÂNDIDO (1966), que, por
pertencerem a um determinado sistema de ensino, as escolas possuem aspectos
comuns, por outro lado, cada escola é uma instituição social ímpar, única, com características
próprias, fruto de sua história e das relações sociais ali estabelecidas.
A escola possui um espaço de autonomia que lhe permite, dentro
de limites, se constituir em frente de resistência aos processos de seletividade
e de exclusão oriundos das políticas educacionais, que parecem privilegiar
muito pouco a elevação da qualidade de ensino para todos.
As funções sociais da escola
Se, em determinados momentos históricos,
a escola se constituiu no locus privilegiado de acesso aos bens culturais
produzidos e valorizados pela humanidade, já que outros espaços sociais e comunitários
(como a “família” ou a “vizinhança”) contribuíam para a formação dos sujeitos,
os processos de urbanização parecem ter confinado à escola, cada vez mais, a
função de formação dos sujeitos, o que a transformou em espaço social
privilegiado de convivência e em ponto de referência fundamental para a
constituição das identidades de seus alunos.
Pode-se dizer que, nas regiões metropolitanas
densamente povoadas, a escola se constitui, hoje, no único espaço social de
convivência de crianças desde os seis/sete anos de idade.
A
organização do trabalho pedagógico e as funções sociais
Como espaço de convivência que favoreça o exercício da
cidadania, a escola possui formas de organização, normas e procedimentos que
não são meramente aspectos formais de sua estrutura, mas se constituem nos
mecanismos pelos quais podemos permitir e incentivar ou, ao contrário, inibir e
restringir as formas de participação de todos os membros da comunidade escolar.
Nesse sentido, uma escola que pretende atingir, de forma gradativa e consistente,
crescentes índices de democratização de suas relações institucionais não pode
deixar de considerar, como parte integrante de seu projeto, o compromisso de
participação.
As
unidades escolares e a política educacional
Embora deva ficar claro que as
políticas educacionais restringem o alcance das ações das escolas, uma unidade
escolar efetivamente comprometida com a elevação da sua qualidade pode buscar,
na adversidade das condições, atingir crescentemente, paulatinamente, controladamente
e supervisionadamente as suas finalidades.
Para tanto, apresentamos possíveis
pontos de partida para educadores que estejam efetivamente comprometidos com a
elevação da qualidade de ensino em nosso país.
1.
Configurar um projeto pedagógico real
-
envolvendo professores, funcionários, alunos, pais e comunidade;
-
trabalho político de incorporação: a importância da participação não pode ser
dada a priori, mas é construída na própria participação;
-
o primeiro ponto de um projeto deveria ser a própria participação; como
envolver a todos no projeto da escola, quais ações correspondem aos interesses
e necessidades de cada grupo?;
-
o pano de fundo da participação são as três funções primordiais da escola:
acesso à cultura, formação da cidadania e espaço social, e variam de acordo com
a história da cada escola.
2.
Privilegiar o cotidiano escolar
-
nas ações do dia-a-dia que o projeto é expresso: redução da distância entre o
discurso e a prática;
-
como estamos organizando, distribuindo e favorecendo o acesso ao conhecimento?
Ele é útil do ponto de vista teórico e prático?;
-
como estamos organizando o espaço escolar? Ele efetivamente se presta às
funções do projeto? (o espaço global, os espaços dos professores, o espaço dos
alunos, o espaço dos pais etc.);
-
como estamos organizando o tempo escolar? Ele efetivamente se presta às funções
do projeto? (o tempo total, o tempo das aulas, o tempo dos alunos, o tempo dos
professores, o tempo dos pais etc.).
3.
Estabelecimento de metas precisas e gradativas
-
quais metas poderão ser alcançadas e em quanto tempo?
3.1
Metas para acesso ao conhecimento: organização, distribuição e acompanhamento.
-
nossos alunos estão aprendendo o que?
-
como eles se relacionam com esse conhecimento?
-
utilizam este conhecimento de que forma: na vida prática? na continuidade dos
estudos?
-
como eles estão agora e o que podemos, de fato, de forma concreta, melhorar? em
quando tempo? quais indicadores iremos utilizar?
3.
2 Metas para a formação do cidadão
-
como são tomadas nossas decisões? quem delas participa?
-
o que temos feito em relação a nossas normas e ao seu valor para a cidadania?
elas são úteis? são necessárias? Quais devem permanecer, quais devem se
modificar?
-
como podemos aprimorar nossas decisões e normas? em quanto tempo? quais os
indicadores?
3.3
Metas para o convívio social
-
nossa escola permite/favorece o convívio? em que espaços?
-
como otimizar o espaço e o tempo da escola para proporcionar convívio produtivo
e satisfatório? em quanto tempo? quais os indicadores?
Considerações finais
As políticas educacionais no Brasil, a não ser em aspectos ou projetos
muito específicos, não têm, de fato, privilegiado, apesar dos discursos em
contrário, a qualidade do ensino, em especial do ensino público.
Nesse sentido, a escola deve ser entendida como espaço de
resistência, em que se consegue pequenos ganhos, mas que, se forem constantes e
contínuos, poderão contribuir tanto para elevação da qualidade do ensino em
geral como se constituir em formas de embates contra políticas educacionais que
desconsideram a qualidade de ensino.
Por sua própria natureza e função, a unidade escolar possui espaço
de autonomia que lhe permite, frente a todas as adversidades, construir
práticas que favoreçam e contribuam, dentro de limitações que precisam ser
diariamente combatidas, com a construção de processos de ensino que ofereçam
efetiva formação básica a todas as nossas crianças e jovens.
BUENO, José Geraldo Silveira. Função
Social da Escola e organização do trabalho pedagógico. Revista Educar. n.
17, p. 101-110.. Editora da UFPR, Curitiba, 2001
Nenhum comentário:
Postar um comentário