segunda-feira, 19 de agosto de 2013

FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO

Propõe-se através deste a reflexão sobre a melhoria da escola pública de ensino fundamental a partir da perspectiva teórica que entende a escola como instituição social ímpar, pois, ao mesmo tempo em que possui formas de organização e de funcionamento muito semelhante a qualquer outra escola, apresenta peculiaridades que lhe são próprias, fruto da sua própria trajetória histórica.

A escola tem sido tratada como uma instituição abstrata, genérica, que parece cumprir suas funções de forma homogênea, independente de sua origem e história.
E que escola é esta hoje?
A ampliação/universalização do acesso ao ensino obrigatório no país é um fato, pode-se afirmar que, a partir da década de 60, foi se constituindo uma verdadeira escola de massas.
Esse acesso generalizado à escola fundamental trouxe, é claro, um problema grave, qual seja, o da ampliação rápida da quantidade de alunos que passaram a frequentar a escola, que, por falta de uma política educacional que realmente privilegiasse a qualidade do ensino, foi atendida por meios, sobejamente conhecidos, que comprometeram o que havia sido construído em termos de qualidade de ensino:1 ampliação do número de turnos diários, ampliação do número de alunos por turma etc.
Mas, além do impacto do crescimento quantitativo vertiginoso, a universalização do acesso à escola fundamental permitiu que crianças com condições pessoais, familiares, culturais e econômicas, que anteriormente eram excluídas por mecanismos de seletividade, passassem a frequentar a escola; fez aflorar, de forma incontestável, os problemas da seletividade escolar; e passou a ser objeto de preocupação tanto dos gestores das políticas quanto dos estudiosos e pesquisadores da educação nacional.
De forma geral, o fracasso escolar tem permanecido encoberto, muitas vezes, por formas que são pouco percebidas pelos próprios agentes educacionais.
Hoje, as crianças permanecem na escola, obtém registros de progresso escolar (como, por exemplo, a passagem de uma série para outra mais avançada), mas praticamente nada aprendem. A quantidade de analfabetos funcionais é a comprovação mais evidente desse processo.
Se é verdade, tal como apontava CÂNDIDO (1966), que, por pertencerem a um determinado sistema de ensino, as escolas possuem aspectos comuns, por outro lado, cada escola é uma instituição social ímpar, única, com características próprias, fruto de sua história e das relações sociais ali estabelecidas.
A escola possui um espaço de autonomia que lhe permite, dentro de limites, se constituir em frente de resistência aos processos de seletividade e de exclusão oriundos das políticas educacionais, que parecem privilegiar muito pouco a elevação da qualidade de ensino para todos.

As funções sociais da escola
            Se, em determinados momentos históricos, a escola se constituiu no locus privilegiado de acesso aos bens culturais produzidos e valorizados pela humanidade, já que outros espaços sociais e comunitários (como a “família” ou a “vizinhança”) contribuíam para a formação dos sujeitos, os processos de urbanização parecem ter confinado à escola, cada vez mais, a função de formação dos sujeitos, o que a transformou em espaço social privilegiado de convivência e em ponto de referência fundamental para a constituição das identidades de seus alunos.
            Pode-se dizer que, nas regiões metropolitanas densamente povoadas, a escola se constitui, hoje, no único espaço social de convivência de crianças desde os seis/sete anos de idade.

A organização do trabalho pedagógico e as funções sociais
Como espaço de convivência que favoreça o exercício da cidadania, a escola possui formas de organização, normas e procedimentos que não são meramente aspectos formais de sua estrutura, mas se constituem nos mecanismos pelos quais podemos permitir e incentivar ou, ao contrário, inibir e restringir as formas de participação de todos os membros da comunidade escolar. Nesse sentido, uma escola que pretende atingir, de forma gradativa e consistente, crescentes índices de democratização de suas relações institucionais não pode deixar de considerar, como parte integrante de seu projeto, o compromisso de participação.

As unidades escolares e a política educacional
            Embora deva ficar claro que as políticas educacionais restringem o alcance das ações das escolas, uma unidade escolar efetivamente comprometida com a elevação da sua qualidade pode buscar, na adversidade das condições, atingir crescentemente, paulatinamente, controladamente e supervisionadamente as suas finalidades.
            Para tanto, apresentamos possíveis pontos de partida para educadores que estejam efetivamente comprometidos com a elevação da qualidade de ensino em nosso país.
1. Configurar um projeto pedagógico real
- envolvendo professores, funcionários, alunos, pais e comunidade;
- trabalho político de incorporação: a importância da participação não pode ser dada a priori, mas é construída na própria participação;
- o primeiro ponto de um projeto deveria ser a própria participação; como envolver a todos no projeto da escola, quais ações correspondem aos interesses e necessidades de cada grupo?;
- o pano de fundo da participação são as três funções primordiais da escola: acesso à cultura, formação da cidadania e espaço social, e variam de acordo com a história da cada escola.
2. Privilegiar o cotidiano escolar
- nas ações do dia-a-dia que o projeto é expresso: redução da distância entre o discurso e a prática;
- como estamos organizando, distribuindo e favorecendo o acesso ao conhecimento? Ele é útil do ponto de vista teórico e prático?;
- como estamos organizando o espaço escolar? Ele efetivamente se presta às funções do projeto? (o espaço global, os espaços dos professores, o espaço dos alunos, o espaço dos pais etc.);
- como estamos organizando o tempo escolar? Ele efetivamente se presta às funções do projeto? (o tempo total, o tempo das aulas, o tempo dos alunos, o tempo dos professores, o tempo dos pais etc.).
3. Estabelecimento de metas precisas e gradativas
- quais metas poderão ser alcançadas e em quanto tempo?
3.1 Metas para acesso ao conhecimento: organização, distribuição e acompanhamento.
- nossos alunos estão aprendendo o que?
- como eles se relacionam com esse conhecimento?
- utilizam este conhecimento de que forma: na vida prática? na continuidade dos estudos?
- como eles estão agora e o que podemos, de fato, de forma concreta, melhorar? em quando tempo? quais indicadores iremos utilizar?
3. 2 Metas para a formação do cidadão
- como são tomadas nossas decisões? quem delas participa?
- o que temos feito em relação a nossas normas e ao seu valor para a cidadania? elas são úteis? são necessárias? Quais devem permanecer, quais devem se modificar?
- como podemos aprimorar nossas decisões e normas? em quanto tempo? quais os indicadores?
3.3 Metas para o convívio social
- nossa escola permite/favorece o convívio? em que espaços?
- como otimizar o espaço e o tempo da escola para proporcionar convívio produtivo e satisfatório? em quanto tempo? quais os indicadores?

Considerações finais
As políticas educacionais no Brasil, a não ser em aspectos ou projetos muito específicos, não têm, de fato, privilegiado, apesar dos discursos em contrário, a qualidade do ensino, em especial do ensino público.
Nesse sentido, a escola deve ser entendida como espaço de resistência, em que se consegue pequenos ganhos, mas que, se forem constantes e contínuos, poderão contribuir tanto para elevação da qualidade do ensino em geral como se constituir em formas de embates contra políticas educacionais que desconsideram a qualidade de ensino.


Por sua própria natureza e função, a unidade escolar possui espaço de autonomia que lhe permite, frente a todas as adversidades, construir práticas que favoreçam e contribuam, dentro de limitações que precisam ser diariamente combatidas, com a construção de processos de ensino que ofereçam efetiva formação básica a todas as nossas crianças e jovens.

BUENO, José Geraldo Silveira. Função Social da Escola e organização do trabalho pedagógico. Revista Educar. n. 17, p. 101-110.. Editora da UFPR, Curitiba, 2001

Nenhum comentário:

Postar um comentário