sábado, 3 de novembro de 2012

Sustentabilidade, racionalidade, complexibilidade e poder


SABER AMBIENTAL

Sustentabilidade, racionalidade, complexibilidade e poder.

Enrique Leff







DA APROPRIAÇÃO SOCIAL DA NATUREZA
Os custos ambientais e o valor da natureza
                A reintegração da natureza na economia enfrenta o problema de traduzir os custos de conservação e restauração. (...) A valorização dos recursos naturais está sujeita a temporalidades ecológicas de regeneração e produtividade que não correspondem aos ciclos econômicos.
                Não existe um instrumento econômico ou tecnológico capaz de calcular o “valor real” da natureza econômica.
                A revalorização da natureza induzida pelo ambientalismo emergente esta se refletindo na economia pela alta dos preços dos recursos e dos custos ambientais. Porem o movimento ambiental não só transmite os custos ecológicos ao sistema econômico como uma resistência a capitalização da natureza; as lutas sociais para melhorar as condições de sustentabilidade e a qualidade de vida abrem um processo de reapropriação social da natureza. (...) Nesta perspectiva, o desenvolvimento sustentável não se limita a tornar compatíveis a conservação e o desenvolvimento (...) leva a pensar o ambiente como um potencial para um desenvolvimento alternativo, isto é para construir um novo paradigma produtivo que integre que integre a natureza e a cultura como forças produtivas.
                A sustentabilidade, fundada em princípios de equidade, diversidade e democracia, abre perspectivas sociais mais amplas que o simples reverdecimento da economia através do calculo dos custos da preservação e da restauração ambiental.
Distribuição ecológica e justiça ambiental
                A distribuição ecológica designa “as assimetrias ou desigualdades sociais. Espaciais, temporais no uso que os humanos fazem dos recursos e serviços ambientais, comercializados ou não, isto é, a diminuição dos recursos naturais (inclusive a perda da biodiversidade) e o custo da contaminação”.
                Neste sentido, a distribuição ecológica compreende os processos extra-econômicos (ecológicos e políticos) que vinculam a economia ecológica à ecologia política. (...) A distribuição ecológica aponta para processos de valorização que ultrapassam a racionalidade econômica em seus intuitos de atribuir preços e custos crematísticos ao ambiente, mobilizando atores sociais por interesses materiais e simbólicos (de sobrevivência, identidade, autonomia e qualidade de vida) alem das demandas estritamente econômicas de emprego e distribuição de renda.
                O ambiente é concebido como um custo do processo econômico, não como um potencial para um desenvolvimento alternativo.
No fundo, os conflitos de distribuição ecológica aparecem como consequência da negação da ecologia dentro da racionalidade econômica e da apropriação desigual dos recursos ecológicos, dos serviços ambientais  e do espaço atmosférico; isto é, resultam de um processo de apropriação destrutiva, gerada por uma racionalidade produtiva anti-natura.
Incomensurabilidade, diferenças e mudança de paradigma
                Os pobres são espoliados e vendem barato seus recursos ambientais, mas a internalização dos custos ambientais não se dará como uma equalização dos níveis de renda em escala mundial, e sim pela eficácia das estratégias de poder dos movimentos ambientais.
                O que esta por trás dos conflitos de distribuição ecológica são estratégias de poder em torno de paradigmas sociais e racionalidades produtivas alternativas. É isto que se manifesta no cenário dos movimentos ambientalistas, e não só a exigência de uma compreensão econômica, a obtenção de cotas de participação na tomada de decisões e o prorrogar para as gerações futuras a sustentabilidade do planeta, onde as opções estão pré-fixadas e limitadas pelos critérios e interesses dominantes da globalização. É nesta ordem pré-estabelecida que se definem os conflitos ambientais globais, os projetos de implementação conjunta, as compensações frente a dividas e danos ecológicos já causados, conforme as regras de negociação dos centros financeiros, empresariais e tecnológicos dominantes.
                Na cena política estão surgindo novos movimentos sociais que articulam a defesa do ambiente e dos recursos com suas lutas pela democracia, pela autonomia e autogestão.
                Considerar o conflito socioambiental como um campo de lutas ecológicas distorce as relações que a defesa da ecologia mantém com as lutas pela autonomia cultural e pela democracia. (...) Neste sentido estão surgindo movimentos sociais que integram a resistência cultural como defesa de um estilo de vida, e a defesa do meio ambiente como um processo de reapropriação de seu entorno e seu patrimônio de recursos naturais.
                O sentido da incomensurabilidade leva a pensar a produção sustentável como um sistema complexo, integrado por processos ecológicos, tecnológicos e culturais de diferentes ordens de materialidade, com diferentes espacialidades, temporalidades e significações, que imprimem diferentes formas de valorização do ambiente.
                O confronto entre racionalidade econômica e racionalidade ambiental implica um conceito mais forte de incomensurabilidade. Trata-se da oposição de paradigmas irredutíveis, isto é, de serem intraduzíveis a preços do mercado e aos códigos do capital os valores e processos ambientais.
Equidade e diversidade Cultural
                O ambiente aparece como um sistema produtivo fundado nas condições de estabilidade e produtividade dos ecossistemas e nos estilos étnicos das formas das diferentes culturas que os habitam. A articulação de processos ecológicos, tecnológicos, e culturais determina as formas de apropriação e transformação da natureza e gera ma produtividade ecotecnológica sustentável. Esta racionalidade ambiental não se constrói de cima para baixo, como um processo de planificação que imporia às comunidades e às nações as leis de uma nova ordem ecológica global. A construção desta nova ordem social se orienta por valores culturais diversos e se defronta com interesses sociais opostos; nela se entrelaçam relações de poder pela reapropriação da natureza e pela autogestão dos processos produtivos.

Fichado por Kelly Leão

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