SABER AMBIENTAL
Sustentabilidade, racionalidade, complexibilidade e poder.
Enrique Leff
DA APROPRIAÇÃO SOCIAL DA NATUREZA
Os custos ambientais e o valor da natureza
A
reintegração da natureza na economia enfrenta o problema de traduzir os custos
de conservação e restauração. (...) A valorização dos recursos naturais está
sujeita a temporalidades ecológicas de regeneração e produtividade que não
correspondem aos ciclos econômicos.
Não
existe um instrumento econômico ou tecnológico capaz de calcular o “valor real”
da natureza econômica.
A
revalorização da natureza induzida pelo ambientalismo emergente esta se
refletindo na economia pela alta dos preços dos recursos e dos custos
ambientais. Porem o movimento ambiental não só transmite os custos ecológicos
ao sistema econômico como uma resistência a capitalização da natureza; as lutas
sociais para melhorar as condições de sustentabilidade e a qualidade de vida
abrem um processo de reapropriação social da natureza. (...) Nesta perspectiva,
o desenvolvimento sustentável não se limita a tornar compatíveis a conservação
e o desenvolvimento (...) leva a pensar o ambiente como um potencial para um
desenvolvimento alternativo, isto é para construir um novo paradigma produtivo
que integre que integre a natureza e a cultura como forças produtivas.
A
sustentabilidade, fundada em princípios de equidade, diversidade e democracia,
abre perspectivas sociais mais amplas que o simples reverdecimento da economia
através do calculo dos custos da preservação e da restauração ambiental.
Distribuição ecológica e justiça ambiental
A
distribuição ecológica designa “as assimetrias ou desigualdades sociais.
Espaciais, temporais no uso que os humanos fazem dos recursos e serviços
ambientais, comercializados ou não, isto é, a diminuição dos recursos naturais
(inclusive a perda da biodiversidade) e o custo da contaminação”.
Neste
sentido, a distribuição ecológica compreende os processos extra-econômicos
(ecológicos e políticos) que vinculam a economia ecológica à ecologia política.
(...) A distribuição ecológica aponta para processos de valorização que
ultrapassam a racionalidade econômica em seus intuitos de atribuir preços e
custos crematísticos ao ambiente, mobilizando atores sociais por interesses
materiais e simbólicos (de sobrevivência, identidade, autonomia e qualidade de
vida) alem das demandas estritamente econômicas de emprego e distribuição de
renda.
O
ambiente é concebido como um custo do processo econômico, não como um potencial
para um desenvolvimento alternativo.
No fundo, os conflitos de distribuição ecológica aparecem
como consequência da negação da ecologia dentro da racionalidade econômica e da
apropriação desigual dos recursos ecológicos, dos serviços ambientais e do espaço atmosférico; isto é, resultam de
um processo de apropriação destrutiva, gerada por uma racionalidade produtiva
anti-natura.
Incomensurabilidade, diferenças e mudança de paradigma
Os
pobres são espoliados e vendem barato seus recursos ambientais, mas a
internalização dos custos ambientais não se dará como uma equalização dos
níveis de renda em escala mundial, e sim pela eficácia das estratégias de poder
dos movimentos ambientais.
O que
esta por trás dos conflitos de distribuição ecológica são estratégias de poder
em torno de paradigmas sociais e racionalidades produtivas alternativas. É isto
que se manifesta no cenário dos movimentos ambientalistas, e não só a exigência
de uma compreensão econômica, a obtenção de cotas de participação na tomada de
decisões e o prorrogar para as gerações futuras a sustentabilidade do planeta,
onde as opções estão pré-fixadas e limitadas pelos critérios e interesses
dominantes da globalização. É nesta ordem pré-estabelecida que se definem os
conflitos ambientais globais, os projetos de implementação conjunta, as compensações
frente a dividas e danos ecológicos já causados, conforme as regras de
negociação dos centros financeiros, empresariais e tecnológicos dominantes.
Na cena
política estão surgindo novos movimentos sociais que articulam a defesa do
ambiente e dos recursos com suas lutas pela democracia, pela autonomia e
autogestão.
Considerar
o conflito socioambiental como um campo de lutas ecológicas distorce as
relações que a defesa da ecologia mantém com as lutas pela autonomia cultural e
pela democracia. (...) Neste sentido estão surgindo movimentos sociais que
integram a resistência cultural como defesa de um estilo de vida, e a defesa do
meio ambiente como um processo de reapropriação de seu entorno e seu patrimônio
de recursos naturais.
O
sentido da incomensurabilidade leva a pensar a produção sustentável como um
sistema complexo, integrado por processos ecológicos, tecnológicos e culturais
de diferentes ordens de materialidade, com diferentes espacialidades,
temporalidades e significações, que imprimem diferentes formas de valorização
do ambiente.
O
confronto entre racionalidade econômica e racionalidade ambiental implica um
conceito mais forte de incomensurabilidade. Trata-se da oposição de paradigmas
irredutíveis, isto é, de serem intraduzíveis a preços do mercado e aos códigos
do capital os valores e processos ambientais.
Equidade e diversidade Cultural
O
ambiente aparece como um sistema produtivo fundado nas condições de
estabilidade e produtividade dos ecossistemas e nos estilos étnicos das formas
das diferentes culturas que os habitam. A articulação de processos ecológicos,
tecnológicos, e culturais determina as formas de apropriação e transformação da
natureza e gera ma produtividade ecotecnológica sustentável. Esta racionalidade
ambiental não se constrói de cima para baixo, como um processo de planificação
que imporia às comunidades e às nações as leis de uma nova ordem ecológica
global. A construção desta nova ordem social se orienta por valores culturais
diversos e se defronta com interesses sociais opostos; nela se entrelaçam relações de poder pela reapropriação da natureza e pela autogestão dos
processos produtivos.
Fichado por Kelly Leão
Nenhum comentário:
Postar um comentário